Dilma anuncia meta cômoda para clima
Plano para cortar 43% das emissões em relação a 2005 supera o de outros países, mas se ampara em avanço em curso
Pacote, que inclui objetivos setoriais, visa frear mudança do clima e será levado a cúpula global da ONU em país
A presidente Dilma Rousseff anunciou, neste domingo (27), uma meta de redução de gases de efeito estufa mais ambiciosa do que as anteriores, mas que não implica um sacrifício do Brasil para mitigar o aquecimento global.
O governo assumiu o compromisso de diminuir as emissões de poluentes em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como base 2005. O país se torna, assim, a primeira grande economia em desenvolvimento a indicar uma meta absoluta. As propostas servirão de ponto de partida para as negociações que ocorrem no fim deste ano em Paris, na 21ª conferência global da ONU sobre o clima.
Entre 2005 e 2012, as emissões de gases de efeito estufa caíram aproximadamente 40% com a redução de 80% do desmatamento. O ritmo agora tende a se desacelerar. A presidente argumentou que isso é necessário para garantir o crescimento econômico.
O anúncio do INDC (contribuição pretendida nacionalmente determinada, em inglês) foi feito em discurso na Conferência da ONU para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, em Nova York.
Em entrevista depois do anúncio, Dilma afirmou que o país manterá o "horizonte" de redução das emissões, mas que "seria um esforço inaudito" manter o ritmo.
"O crescimento do PIB alimenta o crescimento de emissões", justificou. A projeção do Banco Central é que a economia do país se retraia em 2,7% neste ano.
MAIS MARGEM
O governo brasileiro defende que os países desenvolvidos devem adotar metas mais agressivas que os emergentes, por terem iniciado o processo de industrialização muito antes e, portanto, emitido mais poluentes.
"Nossas metas são tão ou mais ambiciosas que aquelas dos países desenvolvidos", afirmou Dilma.
Cerca de 60 países já haviam divulgado suas metas, entre eles China, Estados Unidos, União Europeia, Japão e Rússia, responsáveis por 66% das emissões mundiais.
Apesar da demora em fechar uma meta –o prazo fixado pela ONU expira em 1º de outubro–, o discurso foi preparado com esmero pela presidente, que buscava um anúncio ousado a fim de criar uma agenda positiva em meio à crise politica e econômica.
"A presidente mostrou que o Brasil quer deixar o grupo de países que fazem parte do problema para integrar o grupo dos que buscam a solução", elogiou Carlos Rittl, secretário-executivo da rede de ONGs Observatório do Clima.
Pelo INDC, a matriz energética brasileira terá participação de 23% de fontes renováveis, excluída a hidrelétrica, até 2030. Em junho, Dilma anunciara 20%. Energia solar, eólica e biomassa perfazem hoje 9% da matriz.
"Isoladamente, o número não é ruim", diz Ricardo Baitelo, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace. Mas uma meta de 30% seria mais compatível com o crescimento dessas fontes em contratação e leilão, afirma. "Não diria que é um estímulo extra ao mercado interno."
Contando com hidrelétricas, o objetivo é alcançar até 2030 participação de 45% de fontes renováveis. A média mundial é de 13%.
A presidente reconheceu falhas na construção de usinas hidrelétricas, mas disse que elas são imprescindíveis. "Um país do tamanho do Brasil não consegue se manter se não tiver energia de base, que, até hoje, são aquelas fósseis e físseis [nuclear]", disse. A hidrelétrica é mais barata e amigável ao ambiente.
Sobre Belo Monte, que está impedida de operar devido a problemas de saneamento e desalojamento de pessoas, a presidente admitiu que, em sua construção, ocorreram falhas, "não tenha dúvidas". "Mas não significa que a gente vá destruir esse processo. Temos de reconhecê-las e melhorar".
Dilma fez outras promessas conservadoras no setor energético. Ficou o objetivo de atingir 10% de eficiência energética (redução do consumo projetado para 2030), mesma meta do Plano Nacional de Eficiência Energética de 2010, observa Baitelo.
"É um pouco preguiçoso usar o mesmo dado."
O INDC prevê ainda a participação de 16% de etanol carburante e das demais biomassas derivadas da cana-de-açúcar; a fatia atual é 15,7%.
O INDC inclui ainda a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e a integração de 5 milhões de hectares de lavoura-pecuária-florestas. A proposta foi bem vista por Marina Piatto, do Imaflora: "O compromisso quase completa a demanda de restauração prevista no Código Florestal".