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Egípcios recontam tragédia em estádio e buscam causa

Para sobreviventes, polícia foi leniente antes do jogo e durante briga que matou 74

Episódio fez aumentar a instabilidade no país em meio a uma onda de desconfiança e teorias conspiratórias

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A PORT SAID (EGITO)

Na última quarta-feira, horas antes da pior tragédia esportiva em 15 anos, o estudante Ahmed Abdo, 18, desconfiou que havia algo estranho logo que chegou ao estádio de Port Said, cidade costeira a 220 km do Cairo.

"A polícia sempre revistava os torcedores da cabeça aos pés", contou Ahmed. "Naquele dia, nem ingresso pediram. Depois vi gente no estádio com facas e paus."

A incomum negligência da polícia é o principal indício apontado pelos torcedores para acusar a junta militar que governa o Egito de ter premeditado o caos que terminou com 74 mortos e mais de 1.500 feridos.

É possível que a acusação jamais venha a ser provada, em meio à onda de desconfiança e teorias conspiratórias que inundou o país desde a queda do ex-ditador Hosni Mubarak.

Mas o episódio serviu para aumentar a instabilidade do Egito e a pressão sobre os generais, vistos como um entrave para a transição democrática sonhada pela revolução que completa um ano.

Ontem voltaram a ocorrer confrontos entre manifestantes e a polícia no Cairo, com nova tentativa de invasão do odiado Ministério do Interior.

Em quatro dias de distúrbios na capital e na cidade de Suez, 12 pessoas morreram. Pouco, se comparado com o massacre do estádio de Port Said, que ainda tem manchas de sangue espalhadas pela arquibancada.

BRASILEIRO

Com base em testemunhos de torcedores que estiveram no jogo, é possível reconstituir o coquetel explosivo que combinou provocação entre torcedores, leniência policial e desorganização extrema.

O empresário egípcio-brasileiro Mohammed Youssef Darwich, 28, que vive na ponte aérea entre Port Said e São Paulo, conta que viu "a morte diante dos olhos" e escapou por milagre.

Torcedor do time local Al Masry, ele estava entre as quase 30 mil pessoas que lotaram o estádio para a grande partida da temporada, contra o Al Ahly do Cairo, clube mais popular do Egito.

"Havia tensão antes do jogo, com promessas de violência, mas isso é usual", diz ele.

"Quando começou o jogo, senti que havia algo estranho, porque a todo momento alguém invadia o campo e a polícia não fazia nada."

Apesar da tensão e da troca de rojões entre as torcidas, o primeiro tempo terminou sem prenúncio de que o pior ainda estava por vir. No placar, 1 a 0 para o time visitante, com um gol do atacante brasileiro Fábio Júnior.

Iniciado o segundo tempo, o Al Masry logo virou a partida, que ainda foi interrompida por novas invasões de campo e terminaria com o placar de 3 x 1 e o desfecho mais sangrento da história do futebol egípcio.

Após o apito final, centenas de pessoas invadiram o gramado, agredindo jogadores do Al Ahly e partindo em direção à arquibancada reservada à torcida visitante.

Encurralados, os torcedores do Al Ahly correram para a única saída disponível, mas o portão estava fechado.

Do outro lado, torcedores do Al Masry recebiam os rivais atirando pedras, rojões e garrafas. A maioria das vítimas morreu esmagada contra o pesado portão de ferro, ou debaixo dele, que acabaria cedendo.

"Nosso time tinha vencido, porque iríamos querer briga?", diz o estudante de engenharia Mohamed Gamal, 20, torcedor do Al Masry.

"Havia gente estranha em campo, que foi paga para criar o tumulto. Os militares tem interesse no caos para se manter no poder."

Imagens da tragédia na TV egípcia mostram a polícia passiva diante da pancadaria. Nas ruas de Port Said, ontem, não havia sinal dela.

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