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Roberto Abdenur

EUA: nação indispensável?

'Indispensabilidade' hoje sente-se mais pela ausência do que pela liderança ao articular consensos globais

Circula na internet artigo de Zbigniew Brzezinski, ex-assessor de Segurança Nacional dos EUA. Defende ele a tese de que, em caso de declínio e mesmo fracasso dos EUA no plano internacional, se seguirá um mundo perigosamente instável, onde não haverá uma única potência dominante, nem mesmo a China.

Nenhum país será capaz de exercer o papel de líder de uma nova ordem global mais cooperativa, como, segundo ele, se previa para os EUA após a dissolução da URSS. Um mundo hobbesiano tenderá a prevalecer. Certas nações procurarão dominar os respectivos contextos regionais (cita o Brasil como tendo essa pretensão no hemisfério Sul).

O artigo remete, implicitamente, à notória frase da ex-secretária de Estado Madeleine Albright: "Se tivermos que usar a força, o faremos porque somos a América; somos a nação indispensável".

O próprio presidente Obama bateu na mesma tecla, tanto ao receber o prêmio Nobel como no discurso sobre o Estado da União.

Tudo isso vem da longa tradição do "destino manifesto", que supõe mandato quase divino para que os EUA liderem a ordem global, ideia que aparecia em tons bíblicos numa famosa frase de Ronald Reagan, para quem os EUA e sua capital seriam "the shining city" -a nova Jerusalém, a iluminar o mundo.

Isso tudo traz à tona a visão do historiador Niall Ferguson, que em livro sobre a decadência dos impérios lamenta a incapacidade dos EUA de comportar-se como tal, por força de seus não resolvidos problemas econômicos, políticos e sociais.

Ele toca num tema atual: o corrente declínio se deve mais a erros domésticos -desigualdade, polarização ideológica, impasses políticos, pessimismo sobre o futuro- que propriamente a um debilitamento de sua presença nos cenários estratégicos. Esta, goste-se ou não, continua forte nas mais variadas regiões.

E agora, retirando-se dos atoleiros do Iraque e do Afeganistão, trata Washington de reafirmar e reforçar sua predominância militar na Ásia Oriental, como contrapeso à ascensão regional da China.

Mas o fato é que a "indispensabilidade dos EUA", se efetivamente válida para certas questões de índole militar e de segurança, não se afigura tão "indispensável" assim quando em jogo temas multilaterais.

Não raro se opõem os EUA a tratados internacionais (como o de mudança climática ou o do Tribunal Penal Internacional). Ou os cumprem de maneira unilateral e parcial, só naquilo que lhes interessa. Ou recusam a via multilateral para privilegiar negociações bilaterais.

Os EUA foram, inegavelmente, os grandes responsáveis pela organização da ordem internacional no pós-guerra, com a criação de ONU, Banco Mundial, FMI, Gatt (predecessor da OMC). A esta altura, contudo, diante de novos desafios, a "indispensabilidade" parece fazer-se sentir mais pela ausência -ou pela obstrução a arranjos globais- do que pela liderança na articulação de consensos internacionais.

Por isso, como costumava dizer a interlocutores americanos quando embaixador em Washington, para espicaçá-los amistosamente: "não se sabe se os EUA são realmente indispensáveis, mas é fato que são inevitáveis, em qualquer parte do mundo ou qualquer que seja o tema internacional em questão".

AMANHÃ EM MUNDO
Clóvis Rossi

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