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O Julgamento de Garzón

Expulsão do juiz que mandou prender Pinochet põe em xeque investigação dos crimes da ditadura de Franco

Sergio Perez - 8.fev.2012/Reuters
Garzón chega a corte em Madri para depor em caso que acabaria por condená-lo, em fevereiro
Garzón chega a corte em Madri para depor em caso que acabaria por condená-lo, em fevereiro

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A MADRI

Com um notebook no colo, em sua casa nos arredores de Madri, Emilio Silva, 46, mostra fotos de escavações em vários lugares da Espanha.

Sua história começou em 2000, quando localizou, na província de León, a fossa onde estava enterrado seu avô, militante republicano morto pela Falange na Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

"Ele defendia a educação laica e irritou a igreja local. Minha família passou mais de 60 anos sem saber o que acontecera", conta à Folha.

Silva escreveu, então, um artigo lamentando que o juiz espanhol Baltasar Garzón fosse tão celebrado por ter detido em Londres o ditador chileno Augusto Pinochet, mas não se importasse em investigar os crimes em seu próprio país durante o regime franquista (1936-75), que somam 150 mil assassinatos e mais de 20 mil bebês roubados.

O texto repercutiu, e familiares das vítimas o procuraram. Fundou, então, a Associação para a Recuperação da Memória Histórica, que encontrou mais de 5.000 ossadas de vítimas da repressão.

Em 2006, por meio das informações reunidas por Silva e outros grupos, Garzón começou, finalmente, a investigar os crimes do período.

"Foi o começo do seu fim como juiz", diz o jornalista José Yoldi, que cobre o caso para o jornal "El País". Em fevereiro, o Supremo Tribunal espanhol expulsou-o da carreira, encerrando um período negro para Garzón, no qual enfrentou três processos.

Um deles refere-se a cursos que deu na Universidade de Nova York -teria recebido dinheiro de patrocinadores depois beneficiados por sentenças suas. Foi absolvido.

Depois, foi contestado por não respeitar a Lei da Anistia com relação ao franquismo. Segundo a lei, pactuada em 1977 entre forças políticas de direita e de esquerda, são considerados perdoados os crimes políticos do período.

A defesa de Garzón, porém, alega que desaparições forçadas de pessoas são delitos permanentes. Além disso, nos anos 90, a Espanha assinou tratados que definem crimes cometidos pelo Estado como de lesa-humanidade.

Para o advogado de Garzón, Gonzalo Martínez-Fresneda, a Lei da Anistia não impede investigações.

"Sempre que há restos mortais com sinais de violência, é preciso chamar um juiz e um perito. Depois de descobrir o que aconteceu, aí sim podemos falar na aplicação da lei. Mas ela não deve impedir que os assassinatos sejam reconhecidos e que essas pessoas recebam um enterro digno. Ou vamos deixar todos esses mortos nas fossas coletivas para sempre?", indaga.

Absolvido também nesse processo, Garzón não escaparia do terceiro: em 23 de fevereiro, foi condenado pelo caso Gürtel, em que investigava um crime de corrupção que envolvia membros do conservador Partido Popular (PP), agora no governo.

Garzón mandou instalar escutas numa penitenciária e teve acesso às conversas de presos envolvidos no caso com os seus advogados.

Em sua defesa, o juiz diz que a lei espanhola não deixa claro se esse método é ilegal. Segundo o ex-promotor Martín Pallín, o texto só afirma que escutas podem ser usadas em casos de terrorismo, sem excluir outros usos.

Para o historiador irlandês radicado na Espanha Ian Gibson, a condenação só pode ser entendida num contexto de divisão histórica do país.

"Existe uma Espanha que se crê pura, ocidental e cristã. É a direita desde sempre. Da época da expulsão dos árabes, passando pela ditadura até a suspensão de Garzón, é o mesmo pensamento, o de excluir a voz oposta. Fingiram que o perdoaram no caso do franquismo para pegá-lo nesse outro", diz.

Para Gibson, o fim do juiz é uma tragédia para a memória histórica do país. "Os últimos repressores estão morrendo, não será possível reparar mais nada."

Leia mais sobre o caso no blog de Sylvia Colombo
folha.com/120458

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