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'Na lógica de Videla, era uma guerra justa'

Escritor que entrevistou ex-ditador argentino diz que ele vê crimes do regime como 'preço a pagar' contra subversão

No livro "Disposición Final", Videla, que está preso, admitiu o sequestro de bebês de militantes por militares

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

Jorge Rafael Videla foi o mais cruel dos ditadores do último regime militar argentino. Presidente de 1976 a 1981, foi responsável pelos primeiros tempos de um aparato de repressão que matou de 7.000 a 30 mil pessoas e sequestrou 500 bebês.

Julgado nos anos 1980, foi condenado à prisão perpétua. Cinco anos depois, recebeu um indulto. Depois, foi novamente condenado.

Em 2010, Videla voltou ao banco dos réus, já durante o governo de Cristina Kirchner, que tem se caracterizado por levar a julgamento quase todos os envolvidos na repressão dos anos 1970.

Desde então, o general está numa cela da penitenciária militar do Campo de Mayo.

Em "Disposición Final" (Sudamericana), o jornalista e historiador Ceferino Reato, 51, colheu o mais importante depoimento de Videla desde os anos 1970.

Numa entrevista exclusiva, realizada na prisão, o general diz a Reato que os desaparecidos foram "o preço que se teve de pagar para ganhar a guerra contra a subversão, o preço da vitória".

Além disso, admite pela primeira vez que houve roubo e apropriação de bebês por militares em larga escala.

A seguir, os principais trechos da entrevista que Reato concedeu à Folha.

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Folha - Muitos jornalistas têm questionado o sr. por ter feito esse livro. Por que?

Ceferino Reato - É incompreensível que jornalistas duvidem de que se deve entrevistar um personagem histórico. Mas, infelizmente, é um fato na Argentina.

A maioria das pessoas aqui participa de um paradigma politicamente correto sobre os anos 1970, segundo o qual há que se dar voz somente a personagens que têm a ver com as vítimas e com alguns ex-chefes da guerrilha. E jamais com os militares.

Um apresentador de TV o atacou por dar a mão a Videla.

Sim, como se isso fosse um sacrilégio. Mas acho que um jornalista tem de ser cortês com qualquer entrevistado, de Adolf Hitler a Mário Firmenich [o mais importante líder do grupo guerrilheiro Montoneros]. A cortesia não elimina a valentia.

Videla sugere que há contatos entre os militares ainda nos dias de hoje. Eles controlam a informação sobre o período?

Para mim ficou evidente que conversam com frequência sobre o assunto e discutem o que revelar ou não.

Videla admitiu que houve listas de desaparecidos e que algumas ainda existem. Cada militar que morre é uma possibilidade de informação que se vai. Estamos deixando possibilidades escaparem.

Como foi a revelação sobre os supostos 7.000 mortos?

Videla diz que esse foi o preço a se pagar para ganhar o que considerava uma guerra à subversão.

Ele sustenta que desaparecer com os corpos dos militantes mortos era a única alternativa, porque seria impossível levar tanta gente à Justiça. Diz que a sociedade não toleraria.

Dentro de sua lógica, era uma guerra justa, e não uma guerra suja.

Qual a diferença?

Ele se baseia no conceito de guerra defensiva de São Tomás. Acredita -e isso até hoje- que para reformar, moldar uma sociedade para seu próprio bem é justificável fazer uma guerra.

Ele é um homem muito religioso, crê na construção de uma Argentina católica, em que a igreja e o Exército são os pilares.

Por isso o apoio da igreja.

Sim, a igreja havia sido colocada de lado pelo período conhecido na Argentina como época liberal, da segunda metade do século 19 em diante.

Os primeiros governos radicais populares, no início do século 20, também não lhe deram espaço. Na ditadura militar, a Igreja viu a chance de reaparecer com força.

Outra revelação no livro é sobre o roubo de bebês, adotados por famílias de militares.

Sim, Videla nega que tenha existido um plano sistemático e que o número de bebês sequestrados seja de 500, como dizem as Avós da Praça de Maio, mas admite que a prática foi comum e em larga escala. A entrega dos bebês para famílias de militares era vista por eles como uma solução humanitária.

Como vive Videla hoje?

Está numa cela pequena na penitenciária militar do Campo de Mayo. Existe ali uma cama, uma estufa, um ventilador, uma mesa de luz, um crucifixo, um rosário, um escritório e duas cadeiras.

FOLHA.com

Leia a íntegra da entrevista
folha.com/no1089364

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