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EUA sabotaram programa nuclear do Irã

Em parceria com Israel, norte-americanos desenvolveram vírus complexo capaz de danificar centrífugas iranianas

Processo incluiu a construção de réplica de equipamentos iranianos; vírus saiu do controle em 2010

DAVID E. SANGER
DO “NEW YORK TIMES”, EM WASHINGTON

Desde o começo de seu mandato, o presidente norte-americano, Barack Obama, vem ordenando ataques sigilosos e cada vez mais sofisticados contra os sistemas de computação usados para controlar as instalações de enriquecimento nuclear do Irã.

Assim, expandiu de maneira significativa o primeiro uso continuado de armas cibernéticas pelos EUA, afirmam participantes do programa.

Obama decidiu acelerar os ataques, iniciados no governo de George W. Bush sob o codinome "Olympic Games" ("Jogos Olímpicos"), mesmo depois que um dos elementos do programa chegou acidentalmente ao conhecimento do público em 2010.

Nessa ocasião, um erro de programação levou o vírus a se espalhar da central nuclear de Natanz, no Irã, para todo o planeta, via internet.

Os especialistas em segurança da computação que começaram a estudar o vírus desenvolvido por EUA e Israel lhe deram o nome de Stuxnet.

A colaboração incomum entre EUA e Israel foi motivada por duas necessidades.

Os israelenses tinham o conhecimento técnico e informações sobre as operações de Natanz, vitais para o sucesso do programa de ataque.

Mas os EUA tinham outro interesse -desencorajar Israel de levar a cabo ataques às instalações iranianas.

A única maneira de convencê-los, afirmaram funcionários entrevistados, era envolvê-los em cada aspecto do programa de ciberataque.

RÉPLICA

Rapidamente os dois país haviam desenvolvido um vírus complexo. Mas era necessário fazer o teste. Então, sob enorme segredo, os EUA começaram a construir réplicas de centrífugas iranianas.

Para a sorte dos americanos, o país já tinha parte do equipamento. Quando Muammar Gaddafi, o ditador líbio assassinado em 2011, abriu mão de seu programa bélico nuclear em 2003, ele se desfez das centrífugas. Elas foram guardadas em um laboratório no Tennessee.

Funcionários militares e de inteligência pegaram algumas centrífugas emprestadas para o que disseram ser "testes destrutivos".

Os primeiros testes em pequena escala foram surpreendentemente bem-sucedidos. O vírus invadiu os computadores e enviou instruções para acelerá-los ou retardá-los de maneira que suas partes delicadas, que giram em velocidades supersônicas, fossem destruídas.

"Ciberataques anteriores tinham efeitos limitados a outros computadores", afirmou Michael V. Hayden, antigo chefe da CIA. "Esse é o primeiro ataque [...] usado para causar destruição física."

Infiltrar o vírus em Natanz, porém, não era um truque fácil. Os EUA e Israel tiveram de contar com engenheiros, funcionários de manutenção e outros -tanto espiões como cúmplices involuntários-com acesso físico à usina.

O Irã, antes de identificar a ameaça, chegou a culpar instrumentos e engenheiros pelos atrasos causados pelo vírus no programa nuclear.

Mas a sorte grande não durou. Em 2010, ficou claro que o vírus, que nunca deveria sair das máquinas de Natanz, havia se libertado devido a um erro de programação.

Em uma reunião tensa na Casa Branca, dias depois que o vírus começou a se espalhar, Obama, o vice Joseph Biden e o então diretor da CIA, Leon Panetta, debateram se a mais ambiciosa tentativa americana de desacelerar os progressos nucleares iranianos havia ou não sido fatalmente comprometida.

"Será que devemos cancelar esse programa?", Obama perguntou, de acordo com membros de sua equipe de segurança nacional que estavam presentes na reunião.

Informado de que não estava claro o quanto os iranianos sabiam sobre a origem do vírus, e diante de provas de que este continuava a causar estragos em seus sistemas, Obama decidiu que os ataques deveriam continuar.

Nas semanas seguintes, a central nuclear iraniana de Natanz foi atacada por uma nova versão do vírus, e posteriormente por mais uma.

O último nessa sequência de ataques, poucas semanas depois que o Stuxnet foi detectado em todo o mundo, causou a paralisação temporária de quase mil das 5.000 centrífugas que o Irã estava empregando naquele momento para purificar urânio.

O Irã negou inicialmente que suas instalações de enriquecimento tivessem sido atingidas pelo Stuxnet, e posteriormente passou a afirmar que havia identificado o vírus e bloqueado sua ação.

No ano passado, o Irã anunciou a criação de um comando de guerra cibernética.

O brigadeiro Gholamreza Jalali, que comanda a Organização Iraniana de Defesa Passiva, afirmou que as Forças Armadas iranianas estavam preparadas para "combater nossos inimigos em guerras cibernéticas".

ALCANCE

O governo dos Estados Unidos só admitiu recentemente que está desenvolvendo armas cibernéticas, e continua a não admitir seu uso.

Houve indicações de ataques ocasionais contra computadores usados por membros da Al Qaeda e de planos para ataques contra os computadores utilizados para coordenar sistemas de defesa antiaérea, por exemplo durante a campanha aérea da Otan na Líbia, em 2011.

Mas o "Olympic Games" era muito diferente em termos de escopo e sofisticação.

Agora um processo semelhante está em curso para determinar as origens de outra arma cibernética, conhecida como Flame, identificada recentemente em computadores de membros do governo iraniano. O vírus coleta informações dessas máquinas.

Mas o código utilizado parece ter sido desenvolvido há pelo menos cinco anos, e autoridades americanas afirmam que não fazia parte da operação "Olympic Games".

As fontes não confirmaram a responsabilidade americana pelo ataque com o Flame.

Os ataques cibernéticos dos EUA não se limitam ao Irã, mas o foco das atenções americanas, como diz um representante do governo, "é essencialmente um só país".

Não há motivo para supor que esse continue a ser o caso por muito mais tempo.

Alguns funcionários do governo questionam por que o método não foi utilizado de maneira mais agressiva contra a Coreia do Norte.

Outros veem no uso desses recursos uma oportunidade de prejudicar os planos militares chineses, as unidades militares sírias envolvidas na repressão à rebelião no país e as operações da Al Qaeda em todo o mundo.

"Nós estudamos muito mais ataques do que os realizados", disse um antigo agente dos serviços de inteligência norte-americanos.

Obama afirmou repetidamente a assessores que existem riscos na utilização excessiva desse tipo de arma.

De fato, nenhum país tem infraestrutura tão dependente de sistemas de computação, e portanto tão vulnerável a ataques cibernéticos, quanto os Estados Unidos.

É apenas questão de tempo, afirmam os especialistas, para que os EUA se tornem alvo da mesma espécie de arma que vêm empregando secretamente contra o Irã.

Tradução de PAULO MIGLIACCI e DIOGO BERCITO

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