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Clóvis Rossi

A rainha, o desperdício e a Grécia

A monarquia é um custo, com receita apenas intangível, mas ninguém propõe cortá-la

Comentava com minha mulher cada vez que a CNN mostrava, domingo, o iate da família real britânica nos festejos do jubileu de diamante da rainha: "Parece cena de um filme de época, do século 19".

Errei por pelo menos um século: a seção "Folha Corrida" de ontem teve a bela sacada de publicar, acima da foto da procissão naval de domingo, uma pintura de Canaletto, de 1747, retratando a mesmíssima cena 265 anos antes.

Significa que o Reino Unido parou no tempo? Haverá sempre algum resmungão para dizer que sim. Mas o fato é que o Reino Unido é dinâmico, criativo, moderno, a ponto de atrair tantos estrangeiros que é mais fácil ouvir um acento "not british" do que propriamente "british" nas ruas de Londres.

De todo modo, os fanáticos da dor -como Paul Krugman trata os apóstolos da austeridade como valor suprema da humanidade- deveriam defender o fim da monarquia. Afinal, é um ponderável gasto público, sem receita correspondente.

Quer dizer, receita até está entrando, mas por conta do jubileu: a rede Tesco de supermercados, uma espécie de Pão de Açúcar britânico, teve a melhor semana de vendas desde a celebração do milênio, para abastecer as festas comemorativas dos 60 anos de reinado. Mas é eventual, certo?

A Coroa tem, sim, um valor intangível: "60 anos como um verdadeiro símbolo da unidade nacional", escreve Matthew d'Ancona para o "Telegraph".

Ou, como prefere David Randall no "Independent": "Como somos engraçados. Em um verão, há motins nas ruas e conversa de 'Britânia quebrada'; dez meses mais tarde, todo o mundo está dizendo como a rainha é maravilhosa e, por extensão, nós também somos muito bacanas".

Entendo o respeito a uma instituição "so british", por mais que, pelos cânones hegemônicos hoje em dia, seus gastos possam ser rotulados como desperdício. A monarquia está no DNA do Reino Unido e seria violentá-lo propor a abolição.

Mas a Europa violenta a Grécia, entre outros países, condenando-a a se transformar da noite para o dia em Alemanha, o que não está no DNA grego.

Pior: a condenação se dá com base em uma narrativa falsa ou no mínimo distorcida. A história predominante diz que os gregos ficaram na farra enquanto os alemães trabalhavam. Logo, seria justo que, agora que chegou o inverno, as cigarras paguem a farra.

Falta dizer que a Alemanha ganhou dinheiro com a farra dos gregos e dos outros países encalacrados. O saldo comercial alemão com o resto da Europa saltou de € 46,4 bilhões em 2000 para € 126,5 bilhões em 2007. Com a Grécia, o salto foi de € 3 bi para € 5,5 bi.

O que a Alemanha fez foi "basicamente dar à periferia o dinheiro para que comprasse seus bens", escrevem Matthias Matthijs (Escola Johns Hopkins de Estudos Internacionais Avançados) e Mark Blyth (Brown University).

Pena que a Grécia não tenha uma rainha para suscitar a simpatia que Elizabeth 2ª atrai, por cara que seja a monarquia aos cofres britânicos, cujo deficit (2011) não era muito menor que o grego (8,4% x 9,1%).

crossi@uol.com.br

AMANHÃ NA FOLHA
Julia Sweig

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