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Imame torturado durante ditadura defende a sharia

DO ENVIADO AO CAIRO

Numa das cenas mais dramáticas do filme "Edifício Yacoubian", um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema egípcio, um militante islamita revela a seu mentor que foi estuprado pela polícia e exige vingança.

A cena foi filmada no famoso café Groppi, no coração do Cairo. É o mesmo local que o imame Mahmoud Ali, 44, escolheu para contar à Folha uma experiência semelhante que viveu durante o regime de Hosni Mubarak.

Assim como milhares de militantes islamitas, Ali foi preso diversas vezes sem acusação formal durante a ditadura Mubarak, que via nos fundamentalistas ameaça.

"Bastava ter barba e frequentar a mesquita para ser alvo da polícia." Em todas as prisões, os policiais seguiram o mesmo roteiro de espancamentos e tortura, diz ele.

"Tiravam toda a minha roupa e me penduravam pelas mãos no teto. Aí começavam a me dar choques elétricos em todo o corpo."

Ali a perseguição se devia à ação social que organizava a partir de mesquitas na periferia do Cairo, incluindo doação de alimentos a carentes e aulas de islamismo.

"As perguntas eram sempre as mesmas, eles queriam saber quem financiava as ações. Mas nunca disse uma palavra." Hoje ele prega numa mesquita e trabalha como engenheiro na prefeitura.

A revolta que derrubou Mubarak pôs um fim à perseguição. Para Ali, que diz não pertencer a nenhum grupo mas claramente se identifica com o salafismo (islã ultraconservador), foi o primeiro passo na direção do sonho de um Estado islâmico no Egito.

Ele mede as palavras ao explicar o que isso significa. Tenta encaixar suas palavras com o discurso de islã moderado pregado pelo candidato da Irmandade Muçulmana, Mohamed Mursi, em quem votou para presidente.

O objetivo, reconhece, é a implantação da sharia (lei islâmica), mas isso não é a prioridade. Primeiro é preciso melhorar as condições de vida do povo, dar emprego e restaurar a justiça social, diz.

Quando isso for obtido, a sharia poderá ser aplicada integralmente, incluindo a parte mais controvertida, a do hudud (punições).

"Se todos têm o que comer, não há motivo para praticar crimes. Portanto, é natural que aqueles que roubarem tenham a mão cortada, como manda a sharia", afirma.

Embora siga o discurso da Irmandade Muçulmana, de que não busca vingança contra o antigo regime, diz sobre o policial que o torturou: "Se encontrá-lo algum dia, tenha certeza de que vou matá-lo".

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