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Matias Spektor

Nosso problema paraguaio

Brasil nunca teve uma política séria para compensar a assimetria com o Paraguai

A deposição do presidente paraguaio ilustra a resistência das elites tradicionais em ceder poder e revela o potencial desestabilizador do conflito agrário. São fatores internos sobre os quais o resto do mundo pouco pode fazer.

Contudo o súbito impeachment também aponta uma dinâmica perversa que envolve o Brasil: já é claro que o êxito da expansão econômica brasileira no país vizinho tende a acirrar tensões e produzir instabilidade a ponto de comprometer os próprios interesses brasileiros.

Isso ocorre porque a presença econômica brasileira alimenta os receios e temores paraguaios diante de um Brasil em ascensão.

É compreensível. Com uma economia 114 vezes maior que a paraguaia e uma fronteira porosa, a participação brasileira na vida pública do país é avassaladora.

O Estado paraguaio, fraco, corrupto e predatório, tem poucos instrumentos para mitigar a dependência. Assim, agentes econômicos brasileiros lá sediados muitas vezes dificultam a transformação daquele país em uma democracia viável.

Isso é ruim para o Brasil, cuja sociedade está amplamente exposta ao Paraguai. Não é apenas Itaipu.

Trata-se também de meio milhão de cidadãos do outro lado da fronteira e dos interesses do agronegócio em rápida marcha para o oeste.

Trata-se, ainda, das rotas do narcotráfico, do contrabando e do comércio ilegal de armas, setores que irradiam crime para o Brasil.

A insegurança nas grandes cidades brasileiras é, em parte, uma função de nossa relação disfuncional com o Paraguai.

O que fazer?

O objetivo básico de Brasília deveria ser o de contribuir para fazer do Paraguai uma democracia estável e inclusiva, porque eventuais rupturas sociais e políticas podem ameaçar interesses brasileiros.

Para atingir esse fim, a abordagem mais inteligente seria também a menos testada -um aumento decisivo da cooperação técnica, promoção cultural e intercâmbio educacional. Hoje, apesar de seus terríveis índices de desigualdade e miséria, o Paraguai recebe menos ajuda humanitária brasileira que Nicarágua, Guiné-Bissau ou Equador e nem sequer figura entre os dez primeiros receptores de cooperação técnica oriunda do Brasil.

Um programa dessa natureza não precisaria ser caro. Sua conta poderia ser partilhada entre os países com recursos vindos de Itaipu, símbolo do poder brasileiro que, na opinião da maioria dos paraguaios, traz poucas vantagens à população.

As áreas de trabalho conjunto seriam aquelas nas quais o Brasil pode efetivamente ajudar: combate à pobreza, renda mínima, saúde da família, acesso à energia elétrica e assentamentos. A sociedade civil brasileira entraria nesse esquema pela via de direitos humanos, controle do gasto público, orçamento participativo, procedimentos eleitorais e fortalecimento do Judiciário.

O Brasil nunca teve uma política séria para compensar a assimetria com o Paraguai. Desenvolvê-la não seria altruísmo nem uma "diplomacia da generosidade", mas puro cálculo por interesse próprio.

Daqui a dez meses, quando a próxima eleição presidencial produzir um governo legítimo em Assunção, o Brasil terá uma oportunidade valiosa para começar.

AMANHÃ EM MUNDO
Clóvis Rossi

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