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Little miss Venezuela

Folha visita o casarão em Caracas onde meninas de 4 a 10 anos aprendem etiqueta para concursos de miss, obsessão venezuelana

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

"E por onde se deve segurar uma taça de vinho?", lança Wendy Guillen, a professora de etiqueta da mais renomada escola para candidatas a misses da Venezuela.

Diligentes, as alunas espalhadas em torno de uma mesa de vidro levantam a mão. Várias respondem ao mesmo tempo: "Por baixo!".

Elas têm entre 5 e 10 anos, mas a escola aceita meninas de 4 anos também. A revisão das regras à mesa segue com observações sobre como se toma conhaque, o lugar correto de colocar a bolsa e a forte recomendação de sentar de pernas fechadas, como convém a uma senhorita.

A aula de etiqueta entedia um pouco as meninas, mas o cenário era outro momentos antes, quando se revezavam, na passarela e fora dela, para aparecer ante as câmeras da reportagem da Folha.

"Meu nome é Victória e tenho 5 anos", diz a garotinha ruiva de vestido rodado, dividindo a atenção entre a lente a e a mãe, Vilma González, que tenta orientá-la de longe.

González, administradora de empresas de 42 anos, deu um intervalo no trabalho naquela tarde de quinta-feira para levar Victória à Universidade da Beleza, um casarão do bairro nobre de Altamira, em Caracas.

"Seria a primeira miss Venezuela ruiva", anima-se a mãe de Victória, imaginando a filha vencedora do principal entre os mais de 600 concursos de beleza do país, trampolim para a TV, a publicidade e, eventualmente, até para a política.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, chegou à Presidência em 1998 vencendo um orgulho nacional, Irene Sáez. A ex-governadora e ex-prefeita de um dos municípios de Caracas é dona de um dos seis títulos de miss Universo que a Venezuela, uma potência na categoria, ostenta -só perde para os EUA.

Vilma González não vê conflito em ensinar a meninas tão pequenas regras de etiqueta sobre bebida, mas veta maquiagem e salto para a menina. Tampouco pensa que o curso preparatório se converterá numa pressão estética precoce para a Victória.

Ela reclama do preconceito contra concursos de misses e diz que o treinamento dará à filha o ar "coquete" -ou sedutor- que as meninas modernas andam perdendo.

'ANTES MUERTA'

Sabem quem é Gisele Bündchen? "Sim", responde o grupo. Mas a continuação da conversa revela que as meninas, todas dizendo que sonham ser misses quando crescerem, não sabem que é uma das top models mais famosas do mundo.

Elas estão falando de Gisselle Reyes, a dona da Universidade da Beleza e, principalmente, professora oficial de passarela do Miss Venezuela. É a "rainha do 'tumbao'", a quebrada de cintura perfeita.

Quem agradar a Gisselle Reyes está a um passo de agradar ao poderoso Osmel Sousa, o "czar das misses", que escolhe a dedo quem pode participar como candidata do concurso Miss Venezuela -evento do grupo Cisneros, um dos maiores conglomerados de negócios do país e dono da TV de maior audiência, a Venevisión.

Para o concurso, vale a democracia do bisturi: mudar o nariz, enxertar bochecha e panturrilha, fazer lipoaspiração. Só um aspecto ainda é uma barreira intransponível para a mesa de operação, explica a professora Wendy Guillen: a pouca altura.

A febre de cirurgias também atinge adolescentes e pré-adolescentes, uma moda contra a qual a Universidade da Beleza diz lutar.

"A gente orienta que não se deve fazer plástica antes de 18 anos", afirma Guillen, cercada pelas alunas.

Uma delas é Luisana Pimentel, 5, que, usando um saltinho, faz jus ao exagerado ditado nacional "antes muerta que sencilla" -algo como "prefiro morrer a ser simplesinha". "É a primeira vez que uso", diz, apontando as pedras brilhantes do sapatinho prateado.

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