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Análise

Mursi só será revolucionário de fato se desafiar o Exército

A irmandade muda suas decisões de acordo com o que facilita seu caminho até o poder

SARA KHORSHID
DO "GUARDIAN"

A decisão do presidente Mohamed Mursi de reconvocar a câmara baixa do Legislativo egípcio, desafiando os generais que ordenaram sua dissolução, volta a trazer à cena uma questão muito debatida desde o início da revolução no Egito: a da legitimidade sob o Estado de Direito em oposição à legitimidade revolucionária.

Alegando legitimidade revolucionária, os revoltosos de 25 de janeiro insistiram em que o então presidente Hosni Mubarak renunciasse, a despeito de alertas de seus assessores no sentido de que isso violaria a legitimidade constitucional e criaria um vácuo jurídico.

Num país em que "a revolução continua" até que seus objetivos sejam atingidos -como Mursi declarou no primeiro discurso depois de eleito-, a legitimidade revolucionária substitui as leis e instituições legais estabelecidas.

A decisão de Mursi teria sido justificável caso a legitimidade revolucionária lhe servisse claramente como referência. Mas o problema com a Irmandade Muçulmana é que as decisões do movimento saltam seletivamente de legitimidade constitucional a legitimidade revolucionária, dependendo de qual desses dois recursos facilita seu caminho para o poder.

Agindo assim, a Irmandade perdeu muito de sua credibilidade. E fez aumentar o caos jurídico criado pelo distorcido "mapa de transição" concebido e patrocinado pelo Conselho Supremo das Forças Armadas e apoiado pela Irmandade. O projeto dispunha que o presidente e o Legislativo fossem eleitos primeiro, depois uma Constituição seria redigida para determinar a relação entre os dois Poderes.

Quando essa ideia foi adotada, a Irmandade atacou vigorosamente as vozes que apelavam por "Constituição primeiro", alegando que um referendo popular havia aprovado os artigos que determinavam o novo caminho.

Agora, o movimento islâmico está subitamente adotando a posição de "Constituição primeiro". O decreto de Mursi determina que novas eleições legislativas sejam realizadas depois que o país aprovar a Constituição, que está sendo redigida por uma assembleia dominada pela Irmandade Muçulmana.

Para alguns, Mursi parece ser um herói, desafiando os generais. Por enquanto, os egípcios deveriam continuar a lhe conferir o benefício da dúvida. Mas ele só poderá ser definido como um líder verdadeiramente revolucionário se desafiar os militares e sustentar os objetivos revolucionários -inclusive aqueles que não se relacionam à busca do poder pela Irmandade.

SARA KHORSHID é jornalista no Egito
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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