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Rebeldes em Aleppo obtêm avanço com batalha feroz

Folha se infiltra na linha de frente da guerra na maior cidade da Síria

Forças do regime de Assad e insurgentes combatem a menos de 200 metros de distância no bairro de Salahadin

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A ALEPPO

Na linha de frente da batalha por Aleppo, difícil dizer o que é mais contundente: a saraivada de tiros e explosões ou o silêncio que vem a seguir, permeado pelo ronco de helicópteros rondando no céu prontos para o ataque.

Devastado por dez dias de combates, o bairro de Salahadin é um emaranhado de ruas em pedaços, prédios abandonados e forças rebeldes que ganham terreno, apesar de enfrentar com um arsenal limitado os tanques e a Força Aérea do regime sírio.

A Folha testemunhou de perto ontem o avanço improvável dos insurgentes, que controlam metade da maior metrópole da Síria, numa batalha crucial para a sobrevivência do regime do ditador Bashar Assad.

Quanto mais perto da linha de frente, maior é o cenário de destruição gerado por dias de intensos ataques das forças sírias.

A Folha chega guiada pelos rebeldes -única forma de acompanhar o combate após o regime ter fechado as portas para a imprensa estrangeira. O carro trepida no asfalto estraçalhado, balançando o fuzil do motorista.

Cabos de eletricidade se esparramam pelo chão e canos d'água esguicham sem controle. O cheiro nauseante das montanhas de lixo não recolhido há quase duas semanas se mistura à poeira e à fumaça das explosões.

Todas as lojas estão fechadas e as ruas estão ocupadas por dezenas de rebeldes em combate. Os raros moradores estão carregados de bolsas e pacotes, prontos para fugir.

Um deles é o alfaiate Sobhe, 32, que acaba de sair do prédio em que morava com a mulher e os dois filhos. No andar de cima, um rombo aberto por um disparo de artilharia deixa aparente o apartamento do vizinho.

"Não me importo em ter que sair de casa, contanto que liquidem com esse ditador assassino", diz ele, segurando dois sacos plásticos numa das mãos e uma garrafa de azeite na outra.

Uma rua adiante, o som dos tiros é ensurdecedor. Agachado na entrada de um prédio para buscar abrigo, o estudante secundário Abdulrahman, 19, abraça seu fuzil cercado de restos de comida espalhados pelo chão.

"Meu pai é chefe de polícia e apoia o governo. Se ele sabe que estou aqui, me mata", diz, com um sorriso nervoso. "Mas nada iria me impedir de lutar contra Assad."

De repente, a conversa é abafada por um estrondo tão grande que parece ter atingido o prédio. Foi quase. O disparo de um tanque arrebenta o muro dos fundos, a uma distância de 20 metros.

"Allah akbar (Deus é o maior)", gritam em uníssono os rebeldes, invisíveis sob a nuvem de fumaça que fez a rua desaparecer. Segue-se um silêncio tétrico, cortado apenas pelo zumbido dos helicópteros ao redor.

Menos de 200 metros separam os combatentes das forças do regime. Não há luta corpo a corpo, mas em algumas ruas ainda há atiradores do regime, que duelam com rebeldes entrincheirados atrás de sacos de areia.

Um pouco mais ao longe, é possível avistar os tanques posicionados no estádio de futebol de Hamdanya, o principal de Aleppo, localizado num dos poucos bolsões sob controle do regime.

Pilhas de lança-morteiros aguardam no chão o momento de serem usados contra os tanques. Com a calma inabalada pelos tiros ao redor, o comandante dos rebeldes em Aleppo, Abdulkader al Saleh, 38, esbanja confiança, enquanto traça a estratégia com o "xeque Tawik", misto de líder religioso e militar dos rebeldes em Salahadin.

"Avançamos a cada dia. A vitória é questão de dias, talvez semanas, mas não mais que isso", afirma o xeque.

No caminho até Salahadin, a Folha percorreu oito bairros sob controle dos rebeldes, que ocupam o vazio deixado pelo regime como a autoridade única. Até a fila do pão e o trânsito eles organizam.

Aterrorizados há dias por ataques que deixaram dezenas de civis mortos e afugentaram milhares, os moradores insistem em ensaiar um retorno à normalidade.

A menos de 1 km da linha de frente, duas meninas brincam num balanço vermelho, cercadas de casas em ruínas. O bairro em que estão chama-se Fordous, que significa "paraíso", em árabe.

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