Índice geral Mundo
Mundo
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Combates em Aleppo dão origem a rastro de destruição e fuga

90% do comércio está de portas fechadas, e reduto rebelde tem batalha corpo a corpo

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A ALEPPO (SÍRIA)

A Folha percorreu anteontem o rastro de destruição e fuga deixado pelos combates e bombardeios no avanço rebelde em Aleppo, capital econômica e maior cidade da Síria (2,5 milhões de habitantes), cujo controle é disputado há 13 dias em ferozes combates entre insurgentes e as forças do regime do ditador Bashar Assad.

Os rebeldes dominam metade da cidade. Exercem funções de polícia e governo e ganharam um território para se abastecer e planejar sua estratégia.

A reportagem percorreu a cidade até o bairro de Salahadin, reduto rebelde que o regime tenta retomar com ataques sistemáticos.

No início da noite, um blecaute silenciou todos os telefones incluindo os satelitais, que os rebeldes utilizam para coordenar suas ações, e deixou a internet fora do ar.

O apagão inviabilizou a comunicação na cidade e impediu o envio desta reportagem -que seria publicada ontem.

Mesmo nas áreas mais distantes do epicentro dos combates, 90% do comércio está de portas fechadas, há longas filas nas padarias, moradores perambulam com ar ressabiado, com medo de novos ataques aéreos e de serem pegos no fogo cruzado.

Outros se arriscam apenas até o meio-fio em frente a suas casas, onde ficam sentados em grupos conversando em voz baixa.

No front em Salahadin, a artilharia do regime interrompeu o traçado em semicírculo do avanço rebelde, que circunda a cidade antiga de

Aleppo e abrange mais de 15 bairros. Ali, a batalha é quase corpo a corpo.

Com o ombro colado na parede, um rebelde estica o braço para fora da esquina e, sem olhar, dispara sua metralhadora até a última bala.

O alvo são soldados do Exército que disparam a poucos metros de distância.

Cerca de 30 insurgentes armados de fuzis, metralhadoras e lança-morteiros se revezam em correria até o ponto de atrito com as forças do governo.

Os rebeldes mantêm a mesma posição de dois dias antes, quando a Folha visitou o local. Mas os disparos do inimigo agora estão mais próximos. Saraivadas de tiros cruzam as ruas e obuses disparados por tanques explodem o tempo todo.

É uma guerra de atrito, e tudo indica que será longa.

Com poder de fogo bem superior, que inclui ataques de helicópteros e caças russos MiG-21, o regime impõe baixas diárias às forças insurgentes, mas as principais vítimas são os civis.

"Recebemos 50 feridos em média por dia", diz Hazem, médico recém-formado que trabalha como voluntário no hospital mais próximo. "Sessenta por cento são civis."

Hazem conta que traduziu um manual da Cruz Vermelha para tratamento de vítimas de ataques com armas químicas. Ninguém entre os rebeldes acredita na promessa do regime de que não usará o arsenal de destruição em massa contra os sírios.

Hazem conta que os médicos não têm meios para evitar centenas de mortos se o pior acontecer. Segundo ele, não há quantidade suficiente de atropina e pralidoxima, antídotos usados contra armas químicas.

As baixas e as prisões não poupam as forças do regime. Anteontem, 14 soldados capturados em duas delegacias tomadas pelos rebeldes na véspera eram transferidos para uma prisão no vilarejo de Marea, 35 km ao norte.

Um deles, sem camisa, exibia uma tatuagem no peito que o tornou o principal alvo de tabefes dos insurgentes: "Somos todos Assad". Os rebeldes dizem que eles serão julgados.

A justiça também é feita de forma sumária. Na noite de terça-feira, 12 homens da milícia pró-governo mais poderosa de Aleppo, incluindo o seu líder, foram mortos após terem sido capturados ao fim de sete horas de combate.

PRÉDIOS VAZIOS

As casas foram abandonadas em Salahadin, bairro de classe média baixa relativamente novo de Aleppo e habitado em grande parte por gente da zona rural.

O front tem vista para o estádio de Hamdanya, a menos de 500 metros de distância. Com formato similar ao do Maracanã, ele deixou de sediar os jogos do time mais popular de Aleppo, El Itihad (união, em árabe), e tornou-se base dos tanques voltados contra os rebeldes.

Todos os prédios estão vazios. Alguns foram arrombados pelos rebeldes, que os utilizam como posições de tiro.

Num deles, perto do front, há retratos de um casal de crianças gêmeas na cristaleira e restaram um prato de feijão e garrafas d'água na geladeira. No bairro de Fardus, uma pequena feira vende tomates passados e pepinos, ao lado de montanhas de lixo, como em toda a cidade. Alimentos duplicaram de preço desde o início dos combates.

A maioria das ruas tem amontoados de concreto e ferro derrubados de prédios carbonizados por morteiros. Na retaguarda, sem largar os fuzis, rebeldes recolhem o lixo acumulado em duas semanas de combates e caos.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.