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Depoimento

Torturado por ditadura busca trazer família para o Brasil

ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO

Dia e noite, as imagens da tortura sofrida em uma prisão na Síria, atormentam o despachante Ali Mohammed, 28.

Natural de Homs, ele fugiu para o Brasil há dois meses, após passar 45 dias detido por participar de manifestações contra o regime de Bashar Assad. Leia o depoimento que ele concedeu em São Paulo.

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"Ainda penso no que aconteceu comigo naquela prisão. Às vezes, tenho pesadelos e acordo assustado. Quando estava com minha mulher e meu filho, na Síria, ainda acordava e os via ao meu lado. Isso me tranquilizava. Hoje, temo pela vida deles, que ainda não conseguiram sair do país.

Um dia, em fevereiro, eu participava de uma manifestação em Homs, contra o regime, e vi uma vizinha ser ferida pelo Exército.

Apesar de saber que poderia me tornar o próximo alvo, fui socorrê-la. Tenho certeza de que, naquele momento, os homens da "shabiha" (fantasma; milícia leal a Bashar Assad) anotaram a placa do meu carro.

Dias depois, fomos parados por militares em uma estrada. Meu pai conseguiu escapar, eu e meu irmão fomos levados pelo Exército.

Ao chegar na prisão, eles queriam me obrigar a dizer que tinha armas pesadas. E eu nunca segurei uma arma.

Então eles me colocaram, sem roupa, encolhido dentro de um pneu de carro. Eram três: um pisou no meu rosto, enquanto os outros dois se revezavam ao me bater com barras de ferro, para confessar o que eu não tinha feito.

As torturas continuaram nos 45 dias em que estive preso. Um dia tiraram minha roupa e me penduraram em uma parede com luvas de couro ligadas por uma corda. Fazia muito frio e eles me jogavam água gelada, batiam nas minhas costas e insistiam que estava armado na manifestação.

Fiquei ali, pendurado, por umas seis horas, até perder os sentidos.

Depois de 15, 20 dias, comecei a pensar que só tinha duas opções: sair de lá ou mentir que tinha as armas e ser morto. Segui pensando que conseguiria sair.

Éramos geralmente sete prisioneiros em celas de dois metros por um metro. Vi muita gente que estava comigo não voltar das sessões de tortura. Ouvíamos os gritos dos outros presos. Um senhor de uns 60 anos morreu na minha frente de tanto apanhar.

Enquanto estive preso, não tive notícias do meu irmão. Perguntava por ele aos outros presos, gritava seu nome para ver se ele me respondia. Na verdade, já não tinha esperança de que ele estivesse vivo.

Só consegui sair quando minha família deu dinheiro a um militar. Saí de lá muito ferido, tinha pulgas pelo corpo.

Demorei a me readaptar. Às vezes, não reconhecia nem a minha mulher. Hoje o que mais quero é trazer minha família para o Brasil. Na Síria, não podem mais ficar."

Leia histórias de sírios que fugiram para o Brasil

folha.com/no1131612

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