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Entrevista Tawakkul Karman, 33

Árabes estão prontos para terem mulheres como líderes políticos

Mohamed al Sayaghi - 7.out.2011/Reuters
A jornalista iemenita Tawakkul Karman após o anúncio do Nobel da Paz
A jornalista iemenita Tawakkul Karman após o anúncio do Nobel da Paz

DIOGO BERCITO
DE SÃO PAULO

NOBEL DA PAZ, ATIVISTA DO IÊMEN FALA À FOLHA SOBRE A PRIMAVERA ÁRABE E PEDE 'PRESSÃO FORTE E SÉRIA' DO MUNDO CONTRA A SÍRIA

Desde que recebeu o Nobel da Paz, em 2011, a jornalista iemenita Tawakkul Karman, 33, tem sido vista como uma sucessora natural do regime

de Ali Abdullah Saleh, ditador deposto em fevereiro após as manifestações em grande medida organizadas por ela.

"Dizem que sou a terceira rainha do Iêmen", brinca Karman, por telefone, à Folha. Afinal, diz, o país está pronto para ser liderado por uma mulher -como no passado.

A comparação tem peso ideológico, conforme coloca a ativista entre duas governantes de cujos reinados a população se recorda com carinho: a mítica Bilqis -a rainha de Sabá, para os muçulmanos- e Arwa al Sulayhi, que governou no século 11.

Karman já tem ao seu redor os mitos e as contradições que costumam rodear a realeza. Ela é ora apelidada "dama de ferro", ora chamada de "mãe da revolução".

Ela também apresenta um desafio a quem, no Ocidente, torce para a queda de ditadores mas faz careta para a ascensão de partidos islâmicos.

Ex-filiada ao Al Islah -coalizão que inclui um braço da Irmandade Muçulmana no Iêmen- a ativista diz que a população iemenita "não quer fazer o jogo dos ocidentais".

"Somos uma democracia", afirma Karman, que deve vir ao Brasil em novembro para um evento sobre a transparência na política. "Temos de dar a oportunidade para todas as pessoas participarem."

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Como a revolução aconteceu?

Quando vi que o nosso país estava destruído, me perguntei: o que eu posso fazer?

Podíamos ter observado o povo, a terra, a economia e a política do país em cinzas. Mas decidimos fazer alguma coisa, em vez de esperar a solução vir de outras pessoas.

Nós mantivemos protestos semanais em frente ao gabinete. Nós nunca desistimos, e a revolução chegou a todas as casas, a todas as tribos.

Foi uma tarefa perigosa?

Sim. Fui presa, me sequestraram. Mas falar sobre mim não é certo. Não fui só eu -muitos outros foram feridos e mortos pelo regime.

Nós não nos importamos com o quanto vamos ter de pagar. Nossa alma, nosso dinheiro? Nós lutaremos em todos os campos para ganhar a dignidade para as pessoas.

Sem sacrifício, sem pagar o preço, não teríamos sido capazes de derrubar o regime.

Como o prêmio Nobel se encaixa nesse processo?

Foi muito surpreendente. Eu nem sabia que era uma candidata. Eu estava em campo, sob o ataque constante do regime. Estava bastante ocupada, ajudando os feridos.

Eu fiquei sabendo da vitória pela TV e pela população. As pessoas estavam dançando ao redor do meu acampamento, cantando que nós tínhamos vencido. Eles não falavam "a Tawakkul venceu". Eles diziam "nós vencemos".

As mulheres ainda têm conquistas a fazer nos países árabes. É uma primavera por vir?

Quando falamos sobre os direitos das mulheres nos países árabes, nós temos de falar sobre os direitos que elas tinham antes da revolução e os que elas têm depois.

Existiu um ponto de inflexão.

As mulheres eram muito fracas. Eram vítimas. Se tivessem sorte, desempenhariam um papel tradicional feminino. Não participariam da política, da vida pública.

Depois da revolução, as mulheres se descobriram. Tornaram-se líderes. Livraram-se da imagem de que não podem fazer um bom trabalho. Não precisam de alguém para lhes dizer "não".

Agora as pessoas acreditam nas mulheres no Iêmen, esperam que liderem o país.

Você vai ser presidente?

As pessoas no Iêmen estão prontas para ser lideradas por uma mulher. Nosso país foi governado por duas rainhas, na história, e foram os períodos mais fortes e ricos para o Iêmen. As pessoas estão esperando por esse momento. Elas dizem "Tawakkul é a nossa terceira rainha".

Mas minha responsabilidade é mais do que ser presidente. Tenho de estar com o povo. Tenho um trabalho internacional para fazer. Acho que vou ser mais influente fora dos órgãos operativos.

Talvez eu possa mudar de ideia. Mas é da minha personalidade estar com o povo e observar as autoridades.

O Ocidente se incomoda com a ascensão dos islamitas?

Os ocidentais dizem que os árabes estão errados em eleger islamitas. Só que essas escolhas são dos povos.

As pessoas fizeram a revolução contra ditadores que controlavam tudo sozinhos, com suas tribos e seus partidos. Agora, elas querem dar a oportunidade para todos os partidos, para todo o mundo.

Quem vai observar e dizer "esse partido não é bom" será o povo. Se qualquer movimento, seja de esquerda ou de direita, fizer alguma coisa contra os ideais da revolução, as pessoas vão às ruas.

Nós somos uma democracia.

Como você vê a crise síria?

É um caso difícil. A comunidade internacional não está cumprindo sua responsabilidade. Não apoia os sírios como fez na Tunísia, no Egito, na Líbia e mesmo no Iêmen.

O que fazer?

Nossa exigência para a comunidade internacional é de que exerça sua responsabilidade e aja de acordo com seus valores: interrompam os assassinatos de Bashar Assad. Tem de ser feito agora.

É sobre os ideais que o Ocidente carrega -eles sempre falam de liberdade, mas estamos pondo isso em dúvida.

Estamos falando sobre uma intervenção militar na Síria?

Estou falando sobre criar bolsões de segurança no país. Sobre formar um corredor para levar a ajuda humanitária ao povo. Essa é a nossa reivindicação. Não estamos pedindo mais do que isso -façam uma pressão forte e séria.

NA INTERNET
Leia íntegra da entrevista
folha.com/no1142193

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