Índice geral Mundo
Mundo
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Entrevista Paulo Portas

Brasil deve retribuir o que os portugueses fizeram por dentistas

Chanceler português cobra maior acesso do mercado brasileiro a profissionais que vêm fugindo da crise, sobretudo os engenheiros

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

Os engenheiros e arquitetos portugueses no Brasil enfrentam hoje o mesmo problema que os dentistas brasileiros tiveram em Portugal nos anos 90: protecionismo. E isso precisa ser resolvido.

Esse é o recado de Paulo Portas, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, equivalente a chanceler.

"Não faz sentido nenhum que um engenheiro português não possa exercer [sua profissão] no Brasil, ou tenha que esconder que é engenheiro e é português", disse Portas.

Muitos engenheiros e arquitetos portugueses que emigraram para o Brasil, fugindo da crise, não conseguem reconhecer o diploma no país.

Nos anos 90, a discriminação contra dentistas brasileiros em Portugal causou rusgas diplomáticas entre os dois países. O imbróglio levou dez anos para ser resolvido.

Portas, que esteve no Brasil nesta semana pela quinta vez em um ano, veio prospectar investidores para as privatizações de empresas como a ANA, de aeroportos, e a companhia aérea TAP. Leia abaixo trechos da entrevista.

-

Folha - O deficit do orçamento de Portugal no primeiro semestre ficou em cerca de 5,5% do PIB, bem acima da meta acordada com os credores, de 4,5%. A meta será cumprida?

Paulo Portas - Trata-se de um problema de decimais. Veja o progresso que se teve em ano: de um problema de dois dígitos, deficit superior a 10%, estamos discutindo questão de decimais.

Há um ano, era frequente associar o caso de Portugal com a Grécia. Agora é frequente fazer o paralelo com a Irlanda, como os dois países podem ser bem sucedidos em um programa de assistência externa.

Portugal não é a Grécia?

Portugal é diferente da Grécia. Nossa atitude muito determinada de honrar nossos compromissos e dar valor à credibilidade e reputação internacional do país é completamente diferente. Tenho enorme orgulho da dignidade com que os portugueses têm enfrentado esta crise.

A relação dívida-PIB do país vem crescendo. O programa de austeridade não está reduzindo a arrecadação de maneira a atrasar a queda dessa relação?

Eu acho que é ilusório fazer uma oposição entre rigor e crescimento. Dizer que é possível só fazer rigor e ignorar o crescimento não resolve o problema, porque nos vai faltar receita.

Mas dizer que é possível determinar o crescimento e prescindir do rigor é voltar à origem do problema. E é acreditar que o crescimento vem do gasto público.

Os imigrantes portugueses têm enfrentado dificuldades para conseguir vistos de trabalho no Brasil. O que pode ser feito para facilitar isso?

Há uns anos, o Brasil tinha dificuldades e muitos brasileiros procuraram Portugal. Houve alguns problemas, e os governos tomaram providências para resolver.

Agora Portugal está transitoriamente a atravessar uma dificuldade. É normal que haja um fluxo de portugueses procurando o Brasil.

Entre os portugueses que têm vindo para o Brasil, há empresas e profissionais altissimamente qualificados. Eu acho que o protecionismo pode render um bom discurso, mas a prazo empobrece as sociedades.

O problema do reconhecimento dos títulos acadêmicos dos engenheiros e arquitetos portugueses tem neste momento um quadro favorável a uma resolução.

O Brasil tem um programa tão ambicioso de infraestrutura que os engenheiros formados no Brasil todos os anos não são suficientes.

Há estudantes brasileiros a estudar engenharia em Portugal, porque as faculdades são boas. Não seria bom que, na relação entre os dois países, esse assunto andasse por aí.

O senhor vê alguma semelhança com o caso dos dentistas brasileiros em Portugal?

Havia um problema com os dentistas e se resolveu. Há um problema com os engenheiros, e tem que se resolver. Como é que uma construtora portuguesa altamente qualificada pode vir ao Brasil se não pode trazer um engenheiro?

Como o senhor disse, há gente muito qualificada vindo para o Brasil. Essa fuga de cérebros não é ruim para Portugal?

Faz parte das qualidades dos portugueses navegar, partir, conhecer outros mundos, outras culturas. Os portugueses foram os autores da primeira globalização. Isso está no nosso DNA.

Se um jovem português tem a oportunidade de fazer um doutorado, aceitar uma proposta profissional, ir namorar no estrangeiro, abrir a cabeça, isso enriquece as pessoas.

Mas o sr. acha que a maior parte dos portugueses que está emigrando para o Brasil quer explorar novos horizontes ou vem porque não consegue encontrar emprego em Portugal?

Há certamente todos os casos. Eu acho que os governantes não devem ser sociólogos. Como é possível imaginar que, numa economia global, toda a vida profissional de um sujeito deve ser feita no mesmo lugar? Obviamente Portugal, quando tiver crescimento econômico, gera mais oportunidades. Mas esses portugueses no exterior dão luz, dão energia ao país.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.