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Mancha de Nanquim

Memorial de massacre perpetrado por japoneses nos anos 30 se torna plataforma de nacionalistas chineses em dia marcado por protestos

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A NANQUIM (LESTE DA CHINA)

Diante da entrada e no pátio interno, algumas centenas de policiais chineses se perfilavam em grandes filas, enquanto, no céu, um helicóptero de vigilância circundava o prédio.

Mas o esquema de segurança, parecido ao de uma partida de futebol, não visava proteger alvos japoneses da fúria nacionalista nos últimos dias, e sim o memorial de guerra mais conhecido da China.

O país lembrou ontem o aniversário da sangrenta ocupação japonesa, iniciada em 18 de setembro de 1931 e só terminada em 1945, com o final da Segunda Guerra.

A data coincidiu com o pior momento das relações bilaterais desde 2005, alimentando ainda mais os protestos pela China em torno da disputa por um arquipélago no Pacífico, que atualmente é administrado por Tóquio, e potencialmente rico em gás natural.

O Memorial das Vítimas do Massacre de Nanquim pelos Invasores Japoneses foi erguido pelo governo chinês em homenagem aos estimados 300 mil mortos durante a tomada da cidade, em 1937.

Para centenas de chineses com bandeiras e cartazes que estiveram ali ontem, era o lugar ideal para lembrar que a crise atual entre os dois países tem raízes profundas.

No local, construído sobre uma vala onde os japoneses despejaram milhares de corpos, a mesma música fúnebre toca sem parar.

Na entrada, várias esculturas em posições dramáticas, como a de uma mãe morta com um bebê deitado sobre ela.

Abaixo, os dizeres: "Pobre criatura, sem saber que a mãe foi morta. Sangue, leite e lágrimas se congelaram, nunca mais derretendo".

No pátio interno, a reportagem da Folha foi cercada e chamada de "norte-americana" por um grupo de chineses no momento em que entrevistava uma sobrevivente que carregava um cartaz com a frase "A sociedade se une ao amor pátrio".

Um policial à paisana apareceu e, depois de breve interrogatório numa sala, afirmou que a Folha não podia entrar mais no memorial, onde equipes de reportagem chinesas trabalhavam sem problemas.

"Você sabe, a situação aqui não é normal", justificou.

"Embora promova o nacionalismo, o governo chinês encontra-se extremamente preocupado com que os protestos antijaponeses saiam de seu controle", diz o historiador Eric Vanden Bussche, da Universidade Stanford (EUA).

"Para os manifestantes, demonstrar patriotismo não significa apenas boicotar produtos japoneses e jogar ovos contra a embaixada do Japão, mas também exigir de seu governo uma posição mais agressiva na esfera internacional. As lideranças chinesas querem evitar se tornar o alvo da ira dos manifestantes", diz.

TENSÃO NA CAPITAL

Em Pequim, centenas de manifestantes voltaram a se concentrar diante da embaixada japonesa pelo quarto dia consecutivo.

Empresas como os fabricantes de automóveis Toyota e Honda e grandes redes comerciais fecharam suas centenas de portas por todo o pais, e cidadãos japoneses evitaram sair às ruas.

Na unidade de Nanquim da popular rede de lojas de roupa japonesa Uniqlo, um pequeno cartaz avisava que o motivo do fechamento era "inventário".

Enquanto isso, na região em disputa, três barcos de patrulha chineses entraram brevemente em águas marítimas administradas por Tóquio depois da notícia de que dois ativistas japoneses haviam desembarcado numa das ilhas, todas desabitadas.

Em nota diplomática, Pequim ameaçou adotar "ações adicionais" por causa do incidente.

Os ataques nacionalistas dos últimos dias alteraram a rotina de dezenas de milhares de japoneses que trabalham e estudam na China.

É o caso da estudante de mandarim Ren Mei, 30, que, desde sexta-feira, só sai de casa para ir às aulas.

"Estamos muito nervosos. Evitamos ir às ruas e falar em público com medo de sermos atacados", diz Ren.

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