Índice geral Mundo
Mundo
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Made in Afeganistão

Na Califórnia, cidade concentra afegãos, que torcem pela vitória de Obama

Fernanda Ezabella/Folhapress
Rua com placa "pequena Cabul" em Fremont
Rua com placa "pequena Cabul" em Fremont

FERNANDA EZABELLA
ENVIADA ESPECIAL A FREMONT, CALIFÓRNIA (EUA)

No balcão do mercado, o açougueiro afegão corta uma peça de carneiro para o freguês iraquiano, que dá dicas de receita de fígado refogado para uma chinesa na fila. Na janela, um cartaz chama atenção para o candidato a prefeito favorito da casa, um jovem indiano muçulmano.

Apesar da geleia cultural, a carne é californiana, assim como a cidade, Fremont, na baía de San Francisco, com 214 mil habitantes. A maioria são asiáticos ou descendentes, com destaque para os afegãos, que fizeram daqui sua maior comunidade nos EUA, dominando o centrinho com seus negócios.

Mas ao entrar na cidade de carro, são igrejas e lojas chinesas que chamam mais a atenção, já que desde o 11 de Setembro e a Guerra do Afeganistão os comerciantes decidiram tiram das portas seus cartazes em dari. O único que sobrou é de uma relojoaria fechada antes dos ataques às Torres Gêmeas, cujo dono morreu e a família sumiu.

"Sempre tem notícia de soldado americano morto no Afeganistão. Tirei para evitar os olhares", disse Wais Omar, gerente de um restaurante.

No aniversário de 11 anos da guerra que tirou o Taleban do poder e às vésperas das eleições nos EUA, os afegãos de Fremont parecem ainda acreditar em Barack Obama, mesmo que o presidente não tenha acabado com o conflito, como havia prometido em sua campanha de 2008.

"Há quem esteja decepcionado, mas não os afegãos inteligentes. Obama pegou o país numa loucura. Ele cometeu erros, mas ao menos não começou uma nova guerra. Já é muito", disse Feraidoon Mojadedi, que chegou aos EUA em 1985 e é dono de uma livraria há 12 anos, a única de Fremont que é voltada aos muçulmanos.

Não há afegão entre os cinco candidatos que disputam a Prefeitura em novembro. O favorito da comunidade é um indiano de 18 anos.

"Não voto nele por ser muçulmano, mas sim por ser um jovem cheio de energia, que entende que precisamos trazer de volta as empresas de tecnologia", continua Mojadedi, que vende na entrada da loja hijabs (véus islâmicos) coloridos.

"Com a crise econômica, tudo ficou mais caro, as empresas foram embora."

Perto da livraria, há três restaurantes, uma loja de roupas típicas, um salão de beleza e dois mercados de famílias afegãs, onde faz sucesso o pão "naan" e o "jelabi", um doce feito com mel.

Osman Hassanzada, 30, faz parte de uma dessas famílias e trabalha no caixa do popular Maiwand Market, que seu avô abriu em 1996. Ele chegou a Fremont há três anos, depois de morar 17 anos no Paquistão.

Entre um telefonema e outro, que ele atende na língua materna, diz que não acredita que haverá paz em seu país tão cedo. "Acho que a maioria dos afegãos quer que os EUA fiquem. Se saírem, vai ser muito difícil de controlar. Os talebans estão à espera na fronteira", diz.

NOVA VIDA

A ativista Rona Popal é uma das mais antigas moradoras da comunidade e ajuda gente como Osman a lidar com os trâmites burocráticos da nova vida. Ela fundou há 15 anos a ONG Afghan Coalition, que atende cerca de 1.700 pessoas por ano.

"Eu me identifico com Obama por sua preocupação com o sistema de saúde e também por não ser branco", disse Popal, que chegou aos EUA em 1977, quando seu marido era representante do Afeganistão na ONU, em Nova York.

Com a invasão soviética em 1979, o casal foi obrigado a ficar e se mudou para a Califórnia, onde o aluguel era mais em conta, e o clima, mais ameno.

Há quem diga que os prédios baixos e as montanhas douradas de Fremont lembrem a paisagem de Cabul, e o livro best-seller "O Caçador de Pipas", de Khaled Hosseini, também ajudou a espalhar a fama da comunidade.

A iniciativa para oficializar o apelido de "Pequena Cabul", no entanto, não foi aceita, assim como um comerciante que tenta em vão transformar um cinema do centro numa mesquita.

"É muita politicagem e muita gente da Assembleia é contra estes projetos", explica Popal, que tenta emplacar a campanha de Fremont e Cabul como cidades-irmãs. "Mas somos muitos agradecidos à Prefeitura, que tem interesse na comunidade, nos dá fundos e oportunidades."

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.