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O fugitivo iraniano

Moshen Rabbani é tido como cérebro do atentado que arrasou entidade judaica em Buenos Aires e resultou na morte de 85

Maryam Rahmanian/Folhapress
O clérigo Moshen Rabbani concede entrevista em Qom
O clérigo Moshen Rabbani concede entrevista em Qom

SAMY ADGHIRNI
DAS ENVIADAS A QOM (IRÃ)

Numa pacata ruazinha de Qom, santuário xiita 130 km ao sul de Teerã, vive um dos homens mais procurados do mundo. Moshen Rabbani, 59, é apontado pela Interpol como o cérebro do atentado que devastou a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em Buenos Aires, matando 85 pessoas e ferindo centenas, em 1994.

O alto clérigo também é suspeito de envolvimento no atentado contra a Embaixada de Israel, que dois anos antes deixara 29 mortos.

Sem poder sair do Irã por causa de um mandado de prisão internacional, Rabbani hoje divide seus tempo entre aulas numa universidade religiosa de Qom voltada para estrangeiros convertidos e a publicação de livros e revistas destinados a promover o islã na América Latina.

Numa rara entrevista à mídia ocidental, o clérigo negou envolvimento nos ataques e acusou os investigadores de ter agido sob pressão de Israel e EUA. Ele também rejeitou acusações de que fez recentes viagens ao Brasil com passaporte falso e disse que Teerã não tenta impor o islã à América Latina.

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Folha - Onde o sr. estava no momento do ataque à Amia?

Moshen Rabbani - Como a cada manhã, rezei cedo numa mesquita de Buenos Aires e em seguida fui até meu escritório, por volta de 8h30. Estava trabalhando quando vi na TV que havia acontecido uma explosão na cidade. Dizem que eu estava ao telefone na hora da explosão, mas quantas outras pessoas também estavam ao telefone em Buenos Aires naquela manhã? Se me acusam de ter falado com fulano ou sicrano na hora da explosão, ninguém até agora mostrou prova. O atentado da Amia afetou profundamente nossa relação com a Argentina, que ia muito bem. O Irã era um dos maiores compradores de trigo, arroz, carne, azeite da Argentina. Dias antes da explosão, deputados e ministros estavam prontos para embarcar rumo a Teerã. Eu tinha amigos no governo.

O ex-presidente Carlos Menem é acusado de ter recebido dinheiro do Irã para despistar a investigação. O sr. conheceu Menem pessoalmente?

Não, mas tínhamos amigos em comum e nos comunicávamos por meio de gente próxima a ele. A maioria da comunidade votava nele por achar que poderia trabalhar melhor no tema da Amia.

Dizem que seu telefone estava na agenda de Kanoore Edul, um empresário sírio suspeito de ter instalado os explosivos. Qual era sua relação com ele?

Nunca havia ouvido falar deste homem antes da explosão. Acusam o Irã de não colaborar no inquérito, mas o Irã sempre pediu permissão, na condição de acusado, para enviar peritos à Argentina com o intuito de também investigar, a exemplo de Israel, que mandou equipes. Mas não nos deram autorização. A pista iraniana se baseia no falso testemunho de Manoucher Moatamer, um iraniano que passou acusações sem prova para conseguir dos americanos dinheiro e visto de residência e acabou preso por roubar uma joalheria.

Disseram até que minha sogra havia colocado a bomba [risos], logo ela que nunca pôs os pés na América Latina. A acusação é alimentada pelo jornal "Clarin" e pela emissora de TV Canal 9, notoriamente avessos ao Irã. A maioria dos argentinos sabem que o Irã não tem nada a ver com o atentado. Muitos livros, como "Cortinas de fumaça", [Jorge Lanata e Joe Goldman], também dizem que todas as pistas foram desprezadas, menos a iraniana. Estou escrevendo um livro para explicar tudo isso.

O Irã se solidarizou com a comunidade judaica?

Sempre dissemos que entregaríamos o culpado se soubéssemos quem é, mesmo que fosse alguém da nossa família. Mas ninguém está buscando os verdadeiros autores. Pode ter sido obra de grupos neonazistas, extremistas [judeus] como os que mataram [em 1995 o então premiê israelense] Itzhak Rabin, que rejeitam o diálogo com os palestinos e buscam perturbar a situação mundial. Há grupos de narcotráfico, lavagem de dinheiro, ninguém investigou isso.

Pesa contra o Irã o fato de os atentados de 1992 terem sido reivindicados pela Jihad Islâmica, um grupo ligado ao libanês Hizbollah, que por sua vez é financiado por Teerã.

Quem deve responder por isso é a Jihad Islâmica ou o Hizbollah. Não tenho nenhuma relação com esses grupos. Quem acusa deve apresentar provas. Desde o primeiro momento os sionistas e americanos acusaram o Irã. Depois do atentado, os EUA passaram a controlar tudo na Argentina, de canais de TV a ministérios, e tentaram destruir nossa relação com outros países latino-americanos.

O senhor faz ou fez parte da Guarda Revolucionária, a força de elite do Irã?

Há duas coisas na vida que eu nunca quis ser: juiz e militar. Minha mente só funciona com temas culturais. Comecei trabalhando como professor e sigo sendo professor. Não me envolvo em política.

Como vê a atual reaproximação entre Irã e Argentina?

O diálogo é sempre o melhor caminho e poderá ajudar, se Deus quiser, a encontrar culpados.

O sr. é acusado de burlar o mandado internacional de prisão da Interpol ao usar passaporte falso para continuar entrando no Brasil. Quando foi sua última viagem ao país?

Estive três vezes no Brasil: 1993, 1995 e 1998. Foram viagens muito boas. Fiz amigos na universidade católica do Rio de Janeiro, onde dei palestra, visitei padres, ouvi do cardeal de São Paulo que ele tinha rezado pelo Irã na guerra contra o Iraque e tive encontros com as comunidades islâmicas locais. Viajei também a Brasília para conhecer o pessoal da embaixada iraniana. Nunca mais voltei ao Brasil nem à América Latina. Dizer que estive recentemente na região é uma grande mentira, não sei como inventaram isso.

E sobre a acusação de que o Irã dissemina o islã xiita na América Latina, levando jovens a estudar em Qom e até fornecendo treinamento militar?

A mídia pode escrever à vontade, mas desde que as informações sejam corretas. É mentira que o Irã atraia pessoas para ensiná-las a usar armas. Para que faria isso? Pergunte a qualquer brasileiro que esteve aqui se o levamos a algum lugar bélico.

Mas o Irã não está interessado em promover o xiismo na América Latina?

Não há exportação do islã, mas o pensamento é livre. Se aqui no Irã eu quiser ler os diários do apóstolo São Paulo, ninguém pode impedir. Se alguém no Brasil quiser ler algo a respeito do Irã, ninguém também pode se opor. Muita gente hoje quer conhecer a religião islâmica, mas nem por isso há um programa para impor o islã.

O Irã envia dinheiro a mesquitas na América Latina?

Países islâmicos como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar, e às vezes Irã, ajudam os muçulmanos, da mesma maneira que os cristãos ajudam igrejas iranianas. Tanto aqui como no exterior, não há nada que impeça doações. É algo religioso, não tem nada a ver com expansionismo. Os muçulmanos pedem ajuda ao Irã. Apesar da situação econômica difícil, o país continuará mandando livros ou outro tipo de apoio que puder fornecer. De qualquer maneira não existem mesquitas e centros culturais totalmente financiados pelo Irã, ao contrário da Arábia Saudita, que banca várias instituições.

Sua universidade tem relações com mesquitas no Brasil?

Não. O Centro [Islâmico no Brasil, com sede em São Paulo] às vezes nos pede livros e revistas, e aí mandamos material. Mas fica nisso.

Teme pela sua segurança?

Nos últimos anos na Argentina, eu vivia cercado por policiais, mas eu lhes dizia que não tinha medo.

Os policiais estavam ali para protegê-lo ou vigiá-lo?

As duas coisas [risos].

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