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'Guerra' entre Cristina e Clarín se transfere à TV na Argentina

Canais do grupo reforçam denúncias contra governo, que responde em programas de aliados

Ânimos se exaltam às vésperas da data fixada pela Casa Rosada para conglomerado abrir mão de parte dos canais

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

"Filho da puta", "tomar no cu", "maldita corporação" e "repugnantes oligarcas" são só algumas das fortes expressões que começaram a pipocar nos programas de TV voltados à política na Argentina.

A guerra entre o governo e a mídia independente se instalou com força na televisão, às vésperas do 7D, sigla dada pela Casa Rosada ao próximo dia 7 de dezembro.

O governo afirma que nessa data o grupo Clarín terá que se desfazer de parte de seus negócios, para se adequar à Lei de Mídia, que evita a concentração "monopolista" da propriedade de meios de comunicação.

O Clarín, que questiona a lei na Justiça, afirma ter mais prazo para apelar da decisão (leia texto à dir.).

O grupo possui dois canais com grande inserção, o TN (Todo Notícia), no cabo, e o El Trece, na TV aberta.

Os noticiários do canal 24 horas são abertamente tendenciosos e reforçam os aspectos negativos do governo Cristina Kirchner. As restrições ao dólar e as denúncias de corrupção recebem ampla e sensacionalista cobertura, assim como as pressões do governo contra o grupo.

Já o El Trece ataca com o programa "Periodismo para Todos", um show político protagonizado por Jorge Lanata. O programa traz hilárias imitações de Cristina e de representantes do governo, ao lado de reportagens sobre o patrimônio dos Kirchner e denúncias de corrupção.

O governo responde por meio da programação da TV Pública (oficial) e de atrações em canais aliados ao governo e que recebem maciças quantidades de verba para publicidade.

O principal é o "6,7,8", que debate a cobertura jornalística de fatos políticos e defende medidas do governo.

Kirchneristas até a medula, os debatedores dissecam as matérias do "Clarín", expondo seus erros e elucubrando sobre suas motivações ao reportar certos fatos.

Também justificam as travas à importação impostas pelo governo, a Lei de Mídia, o fato de o governo não falar com a "mídia golpista" e atacam jornalistas críticos, trazendo a público informações sobre suas vidas íntimas.

O mais polêmico debatedor, Orlando Barone, critica a democracia, que diz ser uma "bandeira da direita" e, recentemente, defendeu uma ação da Triple A (força repressiva do peronismo), responsável pelo desaparecimento de uma jornalista que havia feito uma pergunta impertinente ao general Perón (presidente do país nos períodos 1946-55 e 1973-4).

Além do "6,7,8", o governo responde via estratégias para tirar audiência do Clarín. No horário em que se exibe o programa de Lanata, apostam numa novela da Telefé, alinhada ao kirchnerismo, ou transferem partidas de futebol do campeonato nacional (também estatizado, o Futebol para Todos), por meio da TV Pública.

Por enquanto, o jogo está empatado. Lanata (com média entre 16 e 20 pontos no ibope), perde para a novela (média de 22), mas ganha em geral do futebol (entre 15 e 18, dependendo do jogo).

O El Trece resolveu estender seu programa de uma para duas horas, para garantir uma alta audiência até pouco depois da meia-noite.

Para o sociólogo Martín Becerra, a televisão hoje é "uma réplica do nível acentuado de conflito entre Clarín e governo e dos humores que dividem a sociedade argentina".

Becerra diz à Folha que "formaram-se dois discursos muito fortes e ambos estão refletidos no formato e na linguagem dos programas".

Já o jornalista Jorge Lanata crê que há um aspecto positivo na disputa. "As pessoas perderam o medo e estão discutindo questões importantes sobre a mídia e sobre o papel do jornalismo. A parte ruim é que a agressividade, em algum momento, pode transportar-se do discurso às vias de fato, isso é preocupante."

A Folha tentou comunicar-se com a TV Pública e com o programa "6,7,8", para ouvir seus representantes. Não houve resposta.

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