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Mohamed Elbaradei - Diplomata

É preciso que haja solução negociada para Síria e Irã

EGÍPCIO VENCEDOR DO NOBEL DA PAZ DEFENDE TRANSIÇÃO PACÍFICA PARA SÍRIA E O PLANO PROMOVIDO PELO BRASIL NO CASO IRANIANO

ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO

Com a experiência de quem acompanhou de perto as discussões sobre o programa nuclear iraniano e foi importante ator no processo que levou à queda do ditador Hosni Mubarak em seu país, o egípcio Mohamed ElBaradei defende: ainda há solução diplomática para os casos do Irã e da Síria.

O Nobel da Paz de 2005, ex-diretor da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), deu entrevista à Folha por email, do Cairo.

Ele chega ao Brasil hoje para participar do ciclo de palestras Fronteira do Pensamento amanhã.

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Folha - O sr. disse que o confuso processo de transição deixou o Egito no mesmo lugar, mas "em condições ainda mais adversas". A situação hoje é pior do que sob o regime de Mubarak?
Mohamed ElBaradei - De forma alguma. O que quis dizer é que todos estávamos esperançosos de que o processo de transição seria lógico e suave e que o novo Egito que sonhávamos chegaria mais rápido. Mas a transição foi muito confusa.
Ainda não há Constituição ou Parlamento, e temos um presidente que tem em suas mãos tanto o poder Executivo como o Legislativo.
O país permanece muito polarizado entre pessoas com diferentes visões sobre a natureza do Estado em termos de liberdades, direitos e o papel da religião. Mas não há dúvida de que a cultura do medo que dominou o Egito por muitas décadas se foi, e não há volta.

O Egito pode ser considerado um exemplo de sucesso da Primavera Árabe?
Pode ser exemplo de um despertar pacífico de pessoas exigindo liberdade e dignidade. Se bem sucedido, seria um modelo para o resto do mundo árabe. O principal problema que enfrentamos foi a transição ter sido deixada na mão dos militares e não daqueles que realizaram a revolução.
Foi uma combinação de falta de experiência política, maus conselhos e medo [dos militares] de perder seu status e vantagens que nos levou a essa confusa transição.

Na sua opinião, o que representa um risco maior para a democracia egípcia: a influência religiosa dos islamistas ou a presença do antigo regime?
A democracia do Egito ainda está engatinhando. É um conceito novo para o povo, que não foi praticado por seis décadas.
O avanço na construção de uma democracia enfrenta uma série de desafios: o antigo regime, que ainda está ressentido da revolução e quer prejudicá-la; os conservadores religiosos, que têm a sua "visão" própria do islã e de seu papel num Egito democrático; e os liberais, que ainda não têm certeza de como funciona uma democracia e têm pontos de vista diversos.
É por isso que a adoção de uma nova Constituição que capte os valores básicos que unem todos nós e defina a natureza do sistema político é uma peça-chave para colocar o Egito no caminho para a democracia.

A Constituição está sendo redigida por um grupo dominado por islamitas. Desta forma, é possível que o Egito tenha uma Carta "equilibrada"?
Falta à atual Assembleia equilíbrio e representação dos diferentes grupos e visões políticas que existem no Egito. Por isso, na minha opinião, ela não trará uma Constituição que incorpore os valores básicos comuns de todos os egípcios.
O projeto que foi redigido tem muitas lacunas em termos de garantia de direitos básicos e liberdades e de assegurar equilíbrio entre os diferentes ramos do governo.
É por isso que eu continuo pedindo uma nova assembleia constitucional, que represente de forma adequada a direita, a esquerda e o centro, as mulheres, os cristãos, os jovens, etc.

O sr. acredita que a experiência do Egito pode ajudar, de alguma forma, a acabar com o conflito na Síria?
A semelhança entre os dois casos é evidente: ambos são regimes autoritários de repressão, um que já se foi e outro que está lutando desesperadamente pela sobrevivência. A única maneira de acabar com o conflito na Síria, nesta fase, é por meio de um diálogo político e um acordo de transição de poder.
O esforço contínuo para resolver o conflito com violência só vai levar à perda de mais vidas. Precisamos de uma missão de paz robusta e imediata, para cessar a matança até que um acordo seja alcançado.

Há a possibilidade real de que a ameaça de armas químicas na Síria seja usada como justificativa para uma ação militar como ocorreu com as armas de destruição em massa no Iraque?
Espero que tenhamos aprendido algumas lições com o Iraque. A força só pode ser utilizada se autorizada pelo Conselho de Segurança e se for a única opção disponível. Devemos sempre nos lembrar que, na maioria dos casos, a força não cura feridas, mas abre novas.

Uma vitória republicana nos EUA colocaria o país mais próximo de uma ação militar na Síria? E no Irã?
Há uma diferença entre a retórica de campanha e a atitude dos governos. Tudo o que posso esperar é que qualquer ação militar em qualquer lugar do mundo só seja tomada em conformidade com o direito internacional.

A escalada de tensão na península do Sinai mostra que ainda há uma frágil relação entre Egito e Israel. É possível ter uma boa relação entre os dois países com um governo islâmico no Egito?
A tensão no Oriente Médio e entre Egito e Israel continuará enquanto não houver solução justa para o conflito entre Israel e Palestina.
O mundo árabe está tomado de raiva, eles sentem que há dois pesos e duas medidas no que concerne aos seus direitos. Há um crescente sentimento de humilhação que alimenta o extremismo.

O governo islamista no Egito pode levar a uma reaproximação entre Egito e Irã?
Sempre disse que a resolução do conflito com o Irã, que é essencialmente um conflito de ideologias, poder e influência, só poderia ser alcançada por meio de uma "grande barganha" entre os EUA e o Irã. Seria bom se os poderes regionais como o Egito pudessem ajudar nesse processo.

Na sua opinião, todas as partes (potências e Irã) ainda estão realmente interessadas numa solução diplomática?
Sim, porque o Ocidente sabe que precisa da colaboração do Irã para a estabilidade a longo prazo no Oriente Médio, e o Irã sabe que precisa do Ocidente para comércio, tecnologia, etc.
Porém, uma solução só virá se todas as partes entenderem que precisam ter um diálogo consistente e que qualquer acordo tem de ser percebido por todas as partes como justo e equitativo.
O que precisamos agora é garantir que não haverá escalada [nuclear] até a eleição tanto nos EUA como no Irã [em junho de 2013].
Mas devemos parar de superestimar a situação. Há preocupações legítimas sobre o programa nuclear do Irã, mas claramente não é uma ameaça iminente hoje.

O Acordo de Teerã, alcançado por Brasil, Turquia e Irã, ainda pode ser útil para o diálogo sobre o programa nuclear iraniano?
É uma pena que esse acordo não tenha sido aceito na época pelo Ocidente. Infelizmente, ele foi vítima da política doméstica dos EUA. E tenho visto muitas ofertas razoáveis em relação ao Irã serem vítimas das políticas domésticas os EUA e do Irã. Um "revival" do Acordo de Teerã, atualizado para incluir os últimos desenvolvimentos, ainda é, na minha opinião, uma boa abordagem para quebrar o impasse.

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