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Entrevista Frank La Rue

Novo modelo de mídia na América Latina pode ser criado pelo Brasil

RELATOR DA ONU PARA LIBERDADE DE EXPRESSÃO DEFENDE MELHOR DISTRIBUIÇÃO DE CONCESSÕES DE TV E COMBATE A MONOPÓLIOS, SEM INTERFERÊNCIA NO CONTEÚDO

NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO

Relator especial da ONU para liberdade de expressão, Frank La Rue defende que o Brasil estabeleça um novo modelo para a mídia na América Latina, a partir do que vêm fazendo Argentina e Uruguai. Ele dá "apoio técnico" aos dois na implantação de suas novas leis de mídia.

Em encontros neste mês em Brasília com os ministros Paulo Bernardo (Comunicações) e Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), entre outros, ofereceu o mesmo apoio ao Brasil para leis visando "regular as comunicações".

Para ele, "como a América Latina teve um desenvolvimento errado nas políticas comerciais de comunicação, é importante reverter".

La Rue defende melhor distribuição de concessões de televisão e combate a monopólios, não regulação de conteúdo. Aos 60 anos, ele escreve regularmente no jornal "La Prensa", da Guatemala.

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Folha - Como o sr. viu o relatório Leveson, sobre os desvios da imprensa inglesa?

Frank La Rue - Como relator, sempre digo que a liberdade de expressão deve ser direito de todos, universal: dos jornalistas, dos meios, mas de toda a população também. Tanto o direito de disseminar como o de receber informação, com diversidade e pluralismo. As concentrações de mídia e os monopólios ameaçam essa informação, esse pluralismo.

E esse é o caso inglês.

É o caso de Rupert Murdoch [magnata australiano]. O que acontece quando ele chega a ter tanto poder que [seus jornais] creem estar acima da lei e se dispõem a violar a privacidade dos cidadãos, com o intuito de alimentar notícias para o tabloide e vender?

É um escândalo, e não teria acontecido num país em que se limitam as concentrações, onde se regula a mídia. Murdoch pôde fazer isso no Reino Unido, mas não nos EUA. Outro exemplo é Silvio Berlusconi, que voltará a ser candidato na Itália. É muito perigoso, um atentado à liberdade de expressão e à democracia.

O relatório Leveson propõe participação estatal na supervisão da imprensa. Há lugar para o Estado aí?

É a pergunta mais difícil. Creio que o Estado tem de regular meios de comunicação social. São serviço público.

Há concessões.

Sim, mas as concessões são o mais fácil, porque são frequências de rádio, de TV, agora para internet. É mais fácil, porque são propriedade do Estado. É um recurso natural, digamos, que o Estado deve gerir, como os recursos de seu solo, água, petróleo.

Aí sim deve haver claríssima regulação, para estar a serviço do bem comum, de toda a população. Há frequências que podem ser comerciais, mas outras devem ser comunitárias ou para povos indígenas. E hoje só se vê [a questão] sob a ótica comercial, é um processo da América Latina.

Já na Europa, por exemplo, uma das primeiras e mais eficientes rádios é a BBC, que é pública, financiada pelo Estado. É preciso recuperar o espaço da comunicação pública na América Latina. Por isso eu saudei a lei argentina.

A Lei de Mídia.

É um bom passo. Mas a pergunta difícil é: o que fazer com os meios escritos? Creio que, se o conteúdo viola direitos de outros, o Estado deve proteger os outros, nada mais. O Estado não pode decidir qual deve ser ou não ser o conteúdo.

O que deve regular, sim, é a concentração, pelo poder político alterado que dá aos proprietários dos meios e porque viola o princípio da diversidade e do pluralismo.

Nos EUA, na mesma cidade, quem tem jornal não pode ter emissora de TV. Têm de ser dois proprietários distintos, para provocar equilíbrio.

A experiência americana é um modelo, na sua opinião?

Sim, a ideia é fazer com que os conteúdos sejam diversos. Não intervém no conteúdo, mas gera diversidade.

A Comissão para a Proteção de Jornalistas e o Instituto Internacional de Imprensa divulgaram números recordes de jornalistas presos e mortos ao redor do mundo. Como o sr. vê o Brasil, nesse ponto?

Não quero me pronunciar, porque não é uma visita oficial. Mas uma coisa eu quero dizer. Me parece que o Brasil está num momento interessante, em que pode elaborar as leis de regulação da mídia, antimonopólio, normas de uso das frequências, e eu ofereci apoio técnico.

Ofereci acompanhar o processo. Fiz isso na Argentina e comecei a fazê-lo no Uruguai, onde estive com o governo e vou voltar quando apresentarem o projeto ao Congresso.

Gostaria de fazer o mesmo no Brasil quando se fizer uma lei. Outro tema é internet. O Brasil tem um dado interessante: mais ou menos 50% da população com acesso direto ou indireto à internet. É muito bom, nível alto para países em desenvolvimento.

Propus ao governo um diálogo Sul-Sul, entre Brasil, África do Sul e Índia, talvez também Indonésia.

Sobre a Lei de Mídia...

Como a América Latina teve um desenvolvimento errado, no sentido das políticas comerciais de comunicação, é muito importante reverter isso. E é muito interessante o que está se passando no Mercosul: o que fez a Argentina, o que está fazendo o Uruguai e o que pode ser o Brasil.

O que o Brasil decidir sobre como regular as comunicações, especialmente a concessão de frequências e a digitalização, todo o tema de como facilitar acesso à internet... o Brasil está convocado a estabelecer um modelo.

Dois anos atrás, o presidente Hugo Chávez pressionou por sua demissão da ONU. Como vê esse tipo de reação?

Fui convidado a Caracas para um ato acadêmico concorrido e um encontro com a imprensa. Não houve problemas, não falei da Venezuela, mas dos princípios da liberdade de expressão. Creio que, no caso de Chávez, há uma reação terrivelmente autoritária.


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