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BEM-VINDO AO SÉCULO 21
Um dos maiores pensadores norte-americanos diz que o próximo século será confuso se a selvageria não for controlada
Schlesinger teme continuação da barbárie
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
O historiador Arthur Schlesinger Jr. pretende começar o novo
século da mesma maneira que
passou boa parte do que acabou:
usando sua indefectível gravata
borboleta, com um copo de martíni na mão e (muitas) boas idéias
na cabeça.
Aos 83 anos, o pensador é um
dos mais importantes em atividade nos Estados Unidos, sendo
consultado rotineiramente tanto
pelo presidente Bill Clinton quanto pelos editorialistas do "The
New York Times", que adoram
usar suas frases como epígrafes de
textos opinativos no prestigioso
jornal.
Ganhador do Prêmio Pulitzer
por "The Age of Jackson" (1946),
ele acaba de lançar "A Life in the
20th Century", primeira parte de
suas memórias, em que analisa o
século que acabou do posto privilegiado de protagonista de vários
dos principais fatos.
Schlesinger comandou a inteligência americana no pós-guerra
na Europa, foi assessor direto do
presidente John Kennedy nos
anos 60 e diplomata em vários
países.
Em entrevista exclusiva à Folha,
instado a fazer previsões para o
século que começa, disse que a
China deve ser a superpotência
dos próximos anos e acha que as
guerras acontecerão internamente, não mais entre os países.
Folha - Qual a previsão que o sr.
faz para o século 21?
Arthur Schlesinger Jr. - Vai ser
um século muito confuso, a menos que consigamos criar instituições internacionais para controlar toda essa selvageria aleatória
que existe entre os países.
Quando a ONU foi formada, a
grande ameaça para a paz era a invasão de fronteiras. Hoje, e cada
vez mais neste século que começa,
a maior causa de mortes está e estará nos conflitos internos dos
países. São guerras civis, religiosas. E não temos um sistema internacional feito para lidar com
esses problemas.
Com o republicano George W.
Bush na Presidência dos Estados
Unidos, é difícil prever o que pode
acontecer ou quanta violência
existirá entre os homens. O partido dele (Republicano), muito
unilateral, se opõe às instituições
internacionais.
Além disso, a economia caminha para a globalização, e isso significa que o alcance dos negócios
vai muito além das fronteiras de
cada país.
Temos nos Estados Unidos um
organismo chamado SEC, Securities and Exchange Commission
(agência semelhante à Comissão
de Valores Mobiliários brasileira),
que é uma proteção para os investidores e procura estabilizar os
mercados. Precisamos agora de
um "SEC internacional", que controle e modifique os problemas
nascidos com a globalização.
Folha - O sr. já disse que as últimas eleições nos Estados Unidos
encerraram um período que o sr.
chama de "imperial Presidency",
Presidência imperial. Na sua opinião, o fato de os Estados Unidos
entrarem no século 21 com um presidente fraco como George W. Bush
é sintomático? Ou Bush é melhor
do que, por exemplo, William McKinley, o presidente que entrou no
século 20 comandando o país?
Schlesinger - O período de "imperial Presidency" acabou, na
verdade, com o fim da Guerra
Fria e da tensão entre as superpotências. Quando a crise internacional terminou, o poder começou a voltar para o Congresso.
A situação agora é maior e mais
abrangente do que simplesmente
o carisma de Bill Clinton ou de
George W. Bush. Agora, quanto
ao presidente, o que o jovem
George fará? Quem sabe? Quem é
ousado o suficiente para prever?
Folha - Na virada do último século, a maior potência ainda era a Inglaterra. O século 21 começa com
os EUA no comando. O sr. acha que
o país consegue manter o posto até
o século 22?
Schlesinger - Quem sabe a próxima superpotência não seja o Brasil (risos)? Na verdade, acho que
será a China. Se eles conseguirem
se levantar, os chineses são um
povo muito inteligente e perseverante, trabalham duro e levam a
vida num país habitado por 1 bilhão de pessoas, que falam várias
línguas e dialetos. Ou seja, eles já
são "globalizados" internamente
faz tempo.
É difícil prever, mas sei que até o
fim do século 21 o tipo de governo
que temos hoje não será mais desejável.
As instituições internacionais
serão a chave para a solução dos
nossos problemas atuais e dos
que estão por vir.
Folha - O sr. acaba de escrever um
livro que analisa parte do século
que acabou. Qual o saldo?
Schlesinger - Tudo depende do
que acontecerá no século 21. O lado positivo do último século é evidente, tivemos avanços incríveis
na ciência, na medicina, na tecnologia. Todas essas coisas significam um progresso grandioso para a humanidade.
Mas foi também um século de
selvageria sem igual, cheio de
atrocidades e atos desumanos. O
pensador inglês Isaiah Berlin me
disse que o século 20 foi o mais
terrível da história, e eu concordo.
Houve o Holocausto, os gulags,
as crueldades do fascismo e do comunismo. E as coisas horríveis
que continuam acontecendo na
África, por exemplo, na Sérvia, na
Bósnia, no Sri Lanka. Por todos os
lados, há crueldade.
E a maioria das matanças foi feita com motivação religiosa. Na
Índia, no Paquistão, no Oriente
Médio, na Indonésia, nas Filipinas. A religião pode até ser uma
coisa boa, mas causou mais mortes no século 20 do que qualquer
outra coisa.
Folha - O século 21 verá outros
Holocaustos?
Schlesinger - Não da mesma forma. Mas o que tem acontecido na
Libéria, em Serra Leoa, em Ruanda é tão ofensivo para a natureza
humana como as duas outras
grandes tragédias do século, o
Holocausto e a Segunda Guerra, e
não pode ser tolerado.
Folha - Um dos pontos mais polêmicos em seu último livro foi que,
pela primeira vez, um intelectual
respeitado escreveu com todas as
letras que os Estados Unidos foram
omissos e tardios em reconhecer os
horrores nazistas. Por que isso
aconteceu?
Schlesinger - As pessoas simplesmente não acreditavam que
aquilo poderia mesmo estar acontecendo. E, quando começaram a
acreditar, era tarde demais. Os judeus estavam presos, e o único jeito de libertá-los era vencer a guerra o mais rápido possível.
Folha - O sr. foi um dos principais
defensores de Bill Clinton durante
o impeachment. Qual a avaliação
que faz do governo dele, que acaba
agora? Qual será seu legado para a
história?
Schlesinger - Também fico intrigado com isso. Acho que, no fim
das contas, os eleitores norte-americanos fizeram as pazes com
Bill Clinton. Eles o consideram
um patife, mas um patife querido,
aprenderam a gostar dele.
Foi um bom presidente. Se a lei
permitisse a ele concorrer a um
terceiro mandato ele venceria de
novo, sem dúvida nenhuma.
Acho que seu legado é ter movido
o Partido Democrata para a direita e o Partido Republicano para a
esquerda.
Deixe-me corrigir: na verdade,
ele colocou o Partido Republicano na direção do centro. Ainda, se
o seu legado tiver de ser resumido
por um grande tema, será o de pacificador. Clinton buscou a paz na
Irlanda do Norte, no Oriente Médio, na ex-Iugoslávia, na Tchetchênia.
Folha - O sr. foi íntimo de vários
políticos importantes do século,
como John Kennedy e Bill Clinton.
Qual o maior de todos?
Schlesinger - Bem, não conheci
Franklin Roosevelt, que foi o
maior presidente do século 20, conheci Harry Truman, mas pouco,
e foi um presidente muito efetivo.
Mas quem tinha as maiores qualidades como líder, embora nunca
pudemos comprovar totalmente,
era mesmo JFK.
Kennedy tinha uma grande capacidade de entender os problemas da população, era muito persuasivo, eloquente e possuía um
enorme magnetismo pessoal, que
poderia fazer dele um grande líder.
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