São Paulo, quinta-feira, 01 de janeiro de 2009

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entrevista

"Vejo caças de Israel sobre meu bairro"

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao atender ontem o telefonema da Folha, a palestina Taghreed El-Khodary, correspondente do "New York Times" em Gaza, pediu que a reportagem retornasse a ligação alguns minutos depois: "Está ocorrendo um bombardeio, preciso abrir todas as janelas de meu apartamento porque os vidros podem explodir se estiverem fechados quando as bombas caírem". Com a voz ofegante, ela descreveu a situação dramática na região, onde Israel tem impedido a entrada de jornalistas.

 

FOLHA - Qual é a situação dentro da faixa de Gaza?
TAGHREED EL-KHODARY -
A situação é de completo pavor e desespero. As pessoas estão aterrorizadas por não terem a menor ideia de quando e onde cairá a próxima bomba. Neste exato momento, vejo caças israelenses sobrevoando o meu bairro, tenho medo por não saber qual é o alvo da vez. Em um ano e meio no comando de Gaza, o Hamas teve tempo de se estabelecer em toda parte. Dias atrás Israel destruiu na minha rua um prédio onde havia uma sala do grupo. Nem eu, que sou jornalista, sabia da existência deste local. O problema é que alvos do Hamas estão em prédios residenciais, mesquitas e depósitos. É impossível atingir esses alvos sem destruir os arredores.

FOLHA - Como os ataques afetam o dia a dia em Gaza?
KHODARY -
As ruas estão desertas e tudo está fechado, com exceção de algumas farmácias e lojas de conveniência. É preciso ficar horas na fila para poder comprar pão e remédios, que estão sendo vendidos a preços muito mais altos do que o normal. E já está faltando açúcar, arroz e farinha. Estive em hospitais onde o cenário é dramático. Os médicos não sabem o que fazer com tantos feridos, e vi cenas atrozes de mães chorando ao lado dos filhos mutilados. A situação é agravada pelos frequentes cortes de energia elétrica. Às escuras a sensação de pânico fica ainda maior.

FOLHA - A senhora acha que o número de vítimas é maior do que o divulgado até agora?
KHODARY -
Há 393 mortos confirmados, entre os quais 38 crianças e 25 mulheres. O problema é que ninguém está contando direito o número de vítimas entre os homens. Muitas das pessoas que Israel diz serem membros do Hamas na verdade são policiais civis da força de segurança em Gaza ou filiados ao partido que não têm ligação nenhuma com a ala militar. Uma coisa eu garanto: nenhum dos altos quadros do Hamas morreu nos ataques. Estão todos muito bem escondidos e protegidos.

FOLHA - O Hamas sai fortalecido ou enfraquecido?
KHODARY -
Algumas pessoas responsabilizam o Hamas pela situação, outras culpam o Fatah por ter se aliado a Israel e ao Egito, o que acaba virando um aval ao bloqueio imposto a Gaza.
Se o Hamas conseguir resistir a uma ofensiva terrestre ou até mesmo retaliar, então é possível que o grupo saia fortalecido.
Mas Israel ainda é visto como o inimigo comum. Predomina entre os palestinos o sentimento de que o alvo da ofensiva é o povo de Gaza, não o Hamas.


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