São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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Irã paga custo de exportar a Revolução Islâmica

Trinta anos após volta do aiatolá Khomeini ao país mudar a região, Teerã enfrenta paradoxo

Apesar de sua influência se expandir no Oriente Médio e em países muçulmanos, regime é considerado pária por boa parte do Ocidente

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há exatos 30 anos, o aiatolá Ruhollah Khomeini descia de um Jumbo da Air France na pista do aeroporto de Teerã, vindo do exílio nos arredores de Paris, e era aclamado por milhões de pessoas em transe, num gesto que simboliza a volta triunfal do clérigo e prenuncia a revolução iraniana.
Em junho de 1979, nasceria a República Islâmica do Irã, que ostenta no título suas raízes ao mesmo tempo republicanas -inspiradas pela tradição revolucionária e antimonárquica ocidental- e religiosas.
Depois de varrer a monarquia pró-ocidental do xá Reza Pahlavi, a revolta civil acabou confiscada pelos clérigos, que transformaram o país numa teocracia xiita (vertente minoritária no islã, mas majoritária no país persa) que convive mal com as instituições políticas republicanas iranianas.
A Revolução Islâmica abriu uma nova era geopolítica no Oriente Médio. A primeira reviravolta se deu em 1979, com o apoio do governo dos aiatolás à tomada de reféns por militantes islâmicos na embaixada americana em Teerã, que durou um ano e meio e selou o fim das relações entre Irã e EUA.
Em plena Guerra Fria, o governo proclamou sua independência dos blocos americano e soviético e inundou o mundo islâmico, incluindo os países de maioria sunita (facção rival e majoritária no islã), com livros e fitas cassete contendo discursos incendiários instando ao levante contra governos "infiéis".
A Revolução Islâmica coincidiu com a decadência dos projetos nacionalistas e panarabistas que predominaram no Oriente Médio dos anos 50 aos 70. Militantes muçulmanos reprimidos por governos que consideravam o islã uma ameaça -na Turquia, na Síria, no Egito- ganharam autoconfiança com o êxito da revolta iraniana em derrubar o regime abertamente antirreligioso e pró-americano do xá.
"A revolução no Irã permitiu ao fundamentalismo tornar-se uma força que mudou a concepção do islã político do Marrocos à Malásia", disse à Efe Vali Nasr, do americano Council on Foreign Relations.
Meses após a revolução no Irã, radicais sauditas tomaram a mesquita de Meca, num sequestro que terminou em banho de sangue no lugar mais sagrado do islã. Em 1981, um jovem soldado religioso metralhou, a mando de oposicionistas radicais, o ditador egípcio Anuar Sadat, em represália ao acordo de paz com Israel.
No ano seguinte, logo após a invasão israelense do Líbano para expulsar de lá a liderança laica da Organização para Libertação da Palestina (OLP), surgia o Hizbollah, grupo xiita inspirado na Revolução Islâmica que hoje, misto de milícia e partido, participa do governo libanês. Com ojeriza ao regime de Teerã, o Ocidente forneceu armas e dinheiro ao Iraque de Saddam Hussein em sua longa guerra com o Irã.
O poder de inspirar e apoiar grupos islâmicos em outros países teve um alto custo político e não trouxe ganhos concretos para os aiatolás, que seguiram governando o país após a morte de Khomeini, em 1989.
"A revolução é responsável direta pelo isolamento internacional de Teerã", diz Trita Parsi, presidente do Conselho Iraniano-Americano, citando as várias rodadas de sanções econômicas e comerciais impostas ao Irã e até hoje em vigor.
Concorda Fariba Adelkhah, do Centro de Estudos e Relações Estratégicas de Paris. "O islã radical pode até ter proliferado após 1979, mas o Irã continua sozinho." Ela chama de "circunstancial convergência de interesses" a boa relação entre os governos sírio e iraniano.
Mesmo assim, o Irã é visto como incontornável -devido a seu tamanho e localização, seus recursos naturais e seus contatos privilegiados com grupos radicais influentes. "O governo sente a pressão externa, e muitos segmentos da sociedade iraniana estão em descompasso com os aiatolás. Mas o regime está firme e forte", afirma Parsi.


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