São Paulo, terça-feira, 01 de fevereiro de 2011

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Em cemitério, pobres pensam só em sobreviver

DO ENVIADO AO CAIRO

Enquanto os olhos do mundo se voltam para tuiteiros e ativistas, parte dos egípcios mais pobres está alheia aos protestos, preocupada só em sobreviver.
Foi o que a Folha comprovou ao visitar o bairro de Al Majauirun, onde moram alguns dos 40% de egípcios que ganham menos de US$ 2 ao dia.
Majauirun é um cemitério que se estende por um labirinto de ruas transformado em favela. Cada quarteirão é composto por túmulos coletivos cercados por muros ou grades.
Ao longo do século 20, famílias sem dinheiro para pagar aluguel instalaram barracos ao lado dos túmulos após terem prometido aos parentes dos mortos cuidar das sepulturas.
O acordo não previa pagamento aos moradores, muitos dos quais acabaram ficando mesmo após perder contato com os proprietários dos jazigos.
Hoje, milhares vivem amontoados em construções minúsculas, muitas sem água encanada, que ocupam cada espaço disponível entre os túmulos.
Hamid, 52, dentes escuros e cigarro na mão, diz não conseguir mais fazer bicos de vendedor de feira. "Quero que aquilo termine logo. Preciso trabalhar."
A alguns metros, mora o casal Hassan, 48, e Safa, 40. Eles mostram com orgulho a suntuosa sepultura de mármore branco do homem que foi sapateiro do rei Farouk, deposto em 1952 pelo general Gamal Abdel Nasser, fundador do Egito moderno.
Hassan sobrevive graças a uma picape velha, mas bem cuidada, na qual faz fretes que lhe rendem cerca de US$ 100 por mês.
"Há uma semana não tenho serviço. Ninguém precisa transportar uma máquina de lavar enquanto o país vive protestos tão grandes", constata.
Do outro lado da favela moram Hamida, 60, e nove filhos e netos num cortiço apertado onde é preciso cuidado para não tocar em remendos de fios elétricos.
Hamida, que sofre de reumatismo e anda com uma bengala, riu quando perguntada do que achava dos protestos antigoverno.
"Temos mais o que fazer do que discutir política. No fim das contas, todo mundo morrerá e ficará em covas como essas".
Em Majauirun, ninguém participou ainda dos protestos.
(SA)


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