São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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Ex-reféns e Uribe divergem sobre Farc

Ex-parlamentares libertados pedem que Colômbia aceite exigência do grupo de desmilitarizar municípios para negociar

Ex-senador Eladio Pérez chama de "doente mental" assessor do presidente; Uribe acusa Farc de fazer chantagem com os reféns

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Os quatro ex-parlamentares recém-liberados pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo do presidente Álvaro Uribe, expuseram, por meio de duras declarações, suas divergências em torno da exigência da guerrilha de que sejam desmilitarizados dois municipíos para negociar a soltura dos demais 39 reféns "políticos", entre os quais está a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt.
Numa emotiva entrevista coletiva anteontem à noite, em Caracas, os ex-senadores Luis Eladio Pérez, Orlando Beltrán e Jorge Eduardo Géchem e a ex-deputada Gloria Polanco exortaram o governo Uribe a buscar uma "solução política" e a aceitar a exigência das Farc, enfatizando o precário estado de saúde dos seqüestrados, alguns há mais de dez anos de cativeiro.
"Se o presidente Uribe teme que a retirada de uma área muito pequena do território colombiano durante muito poucos dias [45] se converta no epicentro de seqüestros, o que está indicando é que sua política de segurança democrática não é tão forte como tem sido vendida aos colombianos", disse Pérez à Folha, após a entrevista.
"Este é o desafio e a isso o convidamos: que assuma a sua responsabilidade. Solucionemos. Vamos dar esse passo para salvar a vida de 40 colombianos que estão apodrecendo na selva colombiana", prosseguiu Pérez, do Partido Liberal, de oposição a Uribe.
A pergunta da reportagem questionava Pérez sobre o argumento do governo Uribe de que uma zona desmilitarizada poderia provocar uma onda de seqüestro semelhante à ocorrida entre os anos 2001 e 2002, quando o então presidente Andrés Pastrana cedeu 42 mil quilômetros quadrados à guerrilha para as fracassadas negociações de paz. Todos os recém-liberados foram seqüestrados nessa época.

Bate-boca
Durante a coletiva, Pérez fez ainda duras críticas ao assessor presidencial de Uribe, José Obdulio Gaviria, que havia chamado os seqüestrados de "doentes terminais". Chamou-o de "doente mental" e disse que preferia falar diretamente "com o dono do circo, e não os [com os] seus palhaços".
Já o ex-senador Orlando Beltrán, quase aos gritos, lembrou a difícil situação dos policiais e soldados seqüestrados, que formam a maioria dos reféns políticos. "É preciso chamar atenção aos altos comandos militares, dizer-lhes que sejam solidários com seus companheiros e não qualifiquem como improcedente a desmilitarização de Pradera e Florida para salvar algumas vidas."
Com a voz embargada, Polanco também exortou Uribe aceitar a desmilitarização. "Meu interesse desde este momento é pedir o acordo humanitário, porque o valor deve ser dado à vida, e não a um pedaço de terra, a uns quilômetros."
Os quatro ex-reféns também agradeceram reiteradas vezes ao presidente Hugo Chávez e à senadora da oposição Piedad Córdoba, a quem atribuem sua liberação. A mediação dos dois foi interrompida em novembro por Uribe, mas os dois mantiveram as gestões.

Chávez e Córdoba x Uribe
Chávez e Cordoba têm sofrido duras críticas do governo colombiano e da maior parte dos meios de comunicação daquele país por defenderem que as Farc devem ser consideradas como "força beligerante". Durante as grandes marchas realizadas na Colômbia no último dia 4 de fevereiro, faixas, gritos e camisetas faziam críticas aos dois, além de respaldarem Uribe, cuja aprovação está em cerca de 80%, segundo pesquisas.
Questionado pela reportagem sobre o país que vai encontrar na volta à Colômbia, Pérez elogiou a marcha. Disse que, "pela primeira vez, a sociedade começou a despertar para o drama pavoroso que vivemos e a necessidade urgente de encerrar o capítulo dos seqüestros como o mais aberrante da infâmia colombiana".
As declarações dos seqüestrados até agora não provocaram mudanças na posição de Uribe, que ontem novamente rejeitou a proposta de desmilitarizar Florida e Pradera. Os dois municípios estão próximos de Cali, a terceira cidade do país, e têm uma população de 110 mil pessoas.

"Chantagem"
Em entrevista coletiva, o presidente colombiano acusou as Farc de fazer "chantagem" com a saúde dos seqüestrados.
"Não podemos ocultar toda nossa preocupação pelo estado dos seqüestrados doentes, começando pela doutora Ingrid Betancourt. Com a vida, com a saúde, não se pode chantagear. Essas chantagens, que fazia Hitler e agora fazem as Farc, são inadmissíveis. Por isso, o governo reclama a imediata liberação, incondicional e unilateral, dos seqüestrados em más condições de saúde."
Mais tarde, em entrevista a uma rádio local, Uribe disse que "não tinha uma opinião" sobre a proposta formulada anteontem por Chávez para criar um "grupo de países amigos" da Colômbia semelhante ao criado para solucionar os conflitos civis na América Central, nos anos 80 (Grupo de Contadora).
Chávez disse que a proposta, apresentada ao governo colombiano pelo chanceler francês Bernard Kouchner na semana passada, conta com apoio de países como Brasil, Cuba e Argentina. "Todos estão de acordo, menos Uribe", disse.


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