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"La Paz, Quito e Caracas recriam constitucionalismo latino"
Para professor que participou de suas elaborações, Cartas de Venezuela, Bolívia e Equador avançam em relação a modelo europeu
FABIANO MAISONNAVE
EM SÃO PAULO
Escritas e aprovadas sob governos de esquerda e adeptas
da chamada democracia participativa, as novas Constituições de Venezuela, Bolívia e
Equador têm vários pontos em
comum: a reeleição presidencial, a ampliação dos direitos
reconhecidos, o aumento do
uso de referendos -e a assessoria de constitucionalistas espanhóis ligados ao Ceps (Centro
de Estudos Políticos e Sociais),
com sede em Valência.
"As três Constituições formam parte de uma corrente conhecida como o "novo constitucionalismo latino-americano'",
disse à Folha Rubén Martínez
Dalmau, membro do Ceps, professor de direito constitucional
da Universidade de Valência e
ex-assessor das três Assembleias Constituintes.
Nos três países, a assessoria
espanhola gerou acusações de
excessiva influência ideológica
no resultado final.
Leia, a seguir, a entrevista
concedida por e-mail.
FOLHA - Quais são os pontos que
unem e quais as principais diferenças entre as Constituições de Bolívia,
Equador e Venezuela?
RUBÉN MARTÍNEZ - As três Constituições formam parte de uma
corrente conhecida como o
"novo constitucionalismo latino-americano".
Trata-se, recolhendo a evolução do constitucionalismo desde a sua aparição, no século 18,
e em particular os avanços no
constitucionalismo europeu
depois da Segunda Guerra
Mundial, de avançar em âmbitos nos quais o constitucionalismo europeu ficou paralisado:
a democracia participativa, a
vigência dos direitos sociais e
dos demais direitos, a busca de
um novo papel da sociedade no
Estado e a integração das minorias até agora marginalizadas.
Estamos diante de Constituições que, por um lado, são originais e próprias de cada país,
na medida em que tentam solucionar os problemas de cada
uma das sociedades onde serão
implantadas. Mas, por outro lado, estamos diante de denominadores comuns óbvios, principalmente no campo da participação, da economia e de uma
vigência efetiva dos direitos para todos.
FOLHA - Quais deveriam ser os eixos centrais de uma Constituição latino-americana?
MARTÍNEZ - Uma Constituição
que esteja à altura do novo
constitucionalismo deveria, em
primeiro lugar, se basear na
participação do povo, que é o
que lhe dá legitimidade. Isso
significa que a elaboração da
proposta de Constituição deve
ser redigida por uma Assembleia Constituinte eleita para
isso e que deve ser principalmente participativa na hora de
receber propostas e incorporá-las no texto constitucional.
E deve ser uma Constituição
que não tenha medo de regular
as principais funções do Estado: a melhor distribuição da riqueza, a busca por igualdade de
oportunidades, a integração
das classes marginalizadas. Em
resumo, uma Constituição que
busque o "Sumak kamaña" ou o
"Sumak kawsay", como dizem
as Constituições boliviana e
equatoriana: o "viver bem" (em
quéchua) da população.
FOLHA - O que é o Ceps, e como foi
feito o trabalho de assessoria em cada um dos três países?
MARTÍNEZ - Foi um trabalho de
apoio aos processos constituintes. A fundação Ceps é um âmbito de participação acadêmica
de dezenas e dezenas de acadêmicos europeus. Uma de suas
funções é a cooperação técnica
em matéria legislativa. Foi nesse marco que se estabeleceram
as relações com as Assembleias
Constituintes. Sempre com o
máximo respeito com relação
aos constituintes.
O trabalho consistia na elaboração de informes, participação em debates sobre o conteúdo do texto e proposta de conjuntos de artigos alternativos
para se aproximar da vontade
da Assembleia Constituinte.
Redigir uma Constituição requer um trabalho técnico muito relevante.
As controvérsias foram provocadas mais por parte de setores minoritários das Assembleias; a maior parte delas sempre nos recebeu com amabilidade e respeito em relação ao
nosso perfil técnico.
FOLHA - Uma das críticas às novas
Cartas se refere ao fortalecimento
do Poder Executivo, tanto pela possibilidade de se reeleger como por
novas atribuições, principalmente
em temas econômicos. Um presidente forte não é prejudicial para
democracias que têm instituições
ainda frágeis?
MARTÍNEZ - Pode ser. Por isso,
ao mesmo tempo, as Constituições estabelecem instituições
paralelas de controle baseadas
na participação popular, como
o Poder Cidadão ou "Quinto
Poder", como ficou conhecido
no Equador. As Constituições
outorgam um poder claro à sociedade civil organizada, por
exemplo na eleição de determinadas autoridades, sobre as
quais já não é o presidente da
República quem decide, ou a luta contra a corrupção.
O que se faz é recompor a distribuição do poder público, fortalecendo a organização popular, ainda que isso implique uns
mandatos mais longos para outros cargos.
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