São Paulo, domingo, 01 de março de 2009

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"La Paz, Quito e Caracas recriam constitucionalismo latino"

Para professor que participou de suas elaborações, Cartas de Venezuela, Bolívia e Equador avançam em relação a modelo europeu

FABIANO MAISONNAVE
EM SÃO PAULO

Escritas e aprovadas sob governos de esquerda e adeptas da chamada democracia participativa, as novas Constituições de Venezuela, Bolívia e Equador têm vários pontos em comum: a reeleição presidencial, a ampliação dos direitos reconhecidos, o aumento do uso de referendos -e a assessoria de constitucionalistas espanhóis ligados ao Ceps (Centro de Estudos Políticos e Sociais), com sede em Valência.
"As três Constituições formam parte de uma corrente conhecida como o "novo constitucionalismo latino-americano'", disse à Folha Rubén Martínez Dalmau, membro do Ceps, professor de direito constitucional da Universidade de Valência e ex-assessor das três Assembleias Constituintes. Nos três países, a assessoria espanhola gerou acusações de excessiva influência ideológica no resultado final.
Leia, a seguir, a entrevista concedida por e-mail.

 

FOLHA - Quais são os pontos que unem e quais as principais diferenças entre as Constituições de Bolívia, Equador e Venezuela?
RUBÉN MARTÍNEZ
- As três Constituições formam parte de uma corrente conhecida como o "novo constitucionalismo latino-americano". Trata-se, recolhendo a evolução do constitucionalismo desde a sua aparição, no século 18, e em particular os avanços no constitucionalismo europeu depois da Segunda Guerra Mundial, de avançar em âmbitos nos quais o constitucionalismo europeu ficou paralisado: a democracia participativa, a vigência dos direitos sociais e dos demais direitos, a busca de um novo papel da sociedade no Estado e a integração das minorias até agora marginalizadas. Estamos diante de Constituições que, por um lado, são originais e próprias de cada país, na medida em que tentam solucionar os problemas de cada uma das sociedades onde serão implantadas. Mas, por outro lado, estamos diante de denominadores comuns óbvios, principalmente no campo da participação, da economia e de uma vigência efetiva dos direitos para todos.

FOLHA - Quais deveriam ser os eixos centrais de uma Constituição latino-americana?
MARTÍNEZ
- Uma Constituição que esteja à altura do novo constitucionalismo deveria, em primeiro lugar, se basear na participação do povo, que é o que lhe dá legitimidade. Isso significa que a elaboração da proposta de Constituição deve ser redigida por uma Assembleia Constituinte eleita para isso e que deve ser principalmente participativa na hora de receber propostas e incorporá-las no texto constitucional. E deve ser uma Constituição que não tenha medo de regular as principais funções do Estado: a melhor distribuição da riqueza, a busca por igualdade de oportunidades, a integração das classes marginalizadas. Em resumo, uma Constituição que busque o "Sumak kamaña" ou o "Sumak kawsay", como dizem as Constituições boliviana e equatoriana: o "viver bem" (em quéchua) da população.

FOLHA - O que é o Ceps, e como foi feito o trabalho de assessoria em cada um dos três países?
MARTÍNEZ
- Foi um trabalho de apoio aos processos constituintes. A fundação Ceps é um âmbito de participação acadêmica de dezenas e dezenas de acadêmicos europeus. Uma de suas funções é a cooperação técnica em matéria legislativa. Foi nesse marco que se estabeleceram as relações com as Assembleias Constituintes. Sempre com o máximo respeito com relação aos constituintes. O trabalho consistia na elaboração de informes, participação em debates sobre o conteúdo do texto e proposta de conjuntos de artigos alternativos para se aproximar da vontade da Assembleia Constituinte. Redigir uma Constituição requer um trabalho técnico muito relevante. As controvérsias foram provocadas mais por parte de setores minoritários das Assembleias; a maior parte delas sempre nos recebeu com amabilidade e respeito em relação ao nosso perfil técnico.

FOLHA - Uma das críticas às novas Cartas se refere ao fortalecimento do Poder Executivo, tanto pela possibilidade de se reeleger como por novas atribuições, principalmente em temas econômicos. Um presidente forte não é prejudicial para democracias que têm instituições ainda frágeis?
MARTÍNEZ
- Pode ser. Por isso, ao mesmo tempo, as Constituições estabelecem instituições paralelas de controle baseadas na participação popular, como o Poder Cidadão ou "Quinto Poder", como ficou conhecido no Equador. As Constituições outorgam um poder claro à sociedade civil organizada, por exemplo na eleição de determinadas autoridades, sobre as quais já não é o presidente da República quem decide, ou a luta contra a corrupção.
O que se faz é recompor a distribuição do poder público, fortalecendo a organização popular, ainda que isso implique uns mandatos mais longos para outros cargos.


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