São Paulo, domingo, 01 de março de 2009

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França cria curso de finanças islâmicas

Professor da Universidade de Estrasburgo afirma que doutrina econômica prevista no Corão poderia ter prevenido crise global

Coordenador do curso defende "modo islâmico" de investir, ao mesmo tempo arriscado para os bancos e estável para a sociedade

LUÍS FERRARI
TATIANA CUNHA
DA REDAÇÃO

Atrás de novos empregos, a Europa continental começou a estudar a sharia, código legal inspirado no Corão, o livro sagrado dos muçulmanos. A Universidade de Estrasburgo lançou em janeiro o primeiro curso de pós-graduação em finanças islâmicas da região. À Folha Laurent Weill, doutor em economia e coordenador do curso francês, explicou as peculiaridades de uma realidade financeira que proíbe pagamento de juros e veda investimentos em uma série de setores econômicos.
E foi além, ao constatar que, se as finanças islâmicas fossem aplicadas mundialmente, provavelmente a crise econômica global não teria acontecido.

 

FOLHA - Qual é o conceito central das finanças islâmicas?
LAURENT WEILL
- Do ponto de vista econômico: proibir juros. Na perspectiva filosófica: considerar certos valores éticos.

FOLHA - Se a doutrina econômica do Corão fosse aplicada em todo o mundo, a crise teria sido evitada?
WEILL
- Provavelmente, mas não por razões morais, e sim por motivos ligados às proibições. Os princípios das finanças islâmicas impedem que existam "ativos tóxicos", que pesaram para a crise. Mas os princípios do Corão não são contra a busca do lucro, e isso poderia ter contribuído para a crise. O islã respeita e promove a riqueza, mesmo considerando que a busca do lucro deve ser almejada com a promoção de outros valores, como a justiça. As finanças islâmicas são uma atividade arriscada por natureza. Os clientes não podem obter um juro fixo em suas contas, o que significa um risco maior para eles. Significa também que os bancos devem se envolver em atividades participativas, virando acionistas dos projetos financiados, o que implica um grande risco para os bancos. Estudos acadêmicos da relação entre bancos e estabilidade financeira não mostram que os islâmicos são mais estáveis que os convencionais.

FOLHA - Como finanças islâmicas podem ajudar o mercado no futuro?
WEILL
- No mínimo, proporcionando diversificação para os investidores. As finanças islâmicas não são apenas para os muçulmanos, mas para todos os investidores. No máximo, oferecendo novos valores para as finanças que possam contribuir com justiça e cooperação. Para os muçulmanos que pretendem respeitar a sharia não utilizando atividades baseadas em juros, as finanças islâmicas significam o acesso ao crédito. Aos não-muçulmanos, é uma opção de investimento.

FOLHA - Por que criar o curso?
WEILL
- A difusão das finanças islâmicas traz oportunidades de trabalho. O grande crescimento dessas atividades se expandirá para a Europa logo. Possivelmente chegarão ao mercado francês em 2009. Há fundos islâmicos em Luxemburgo, e esperamos sua expansão para Suíça e Alemanha.

FOLHA - Qual é o público alvo?
WEILL
- Profissionais e estudantes com base em direito e/ ou finanças e que querem ampliar conhecimentos. A maioria trabalha em instituições financeiras ou como advogados.

FOLHA - Para preparar as aulas há consultas a religiosos?
WEILL
- De maneira alguma. O curso deseja prover conhecimento de um ponto de vista científico e neutro, de uma perspectiva legal e financeira.

FOLHA - De onde são os alunos? Todos são muçulmanos? Há mulheres?
WEILL
- Eles vêm da França, do norte da África e de Luxemburgo. Esperamos que, no ano que vem, venham também de Alemanha e Suíça, entre outros países. Não posso afirmar quantos são muçulmanos, pois não temos esses dados. Acredito que a maioria seja, embora haja alguns claramente não-muçulmanos. E, sim, há várias mulheres matriculadas.

FOLHA - É possível imaginar ações islâmicas negociadas em Wall Street, Londres ou Tóquio no futuro?
WEILL
- Sim e já existem. Títulos islâmicos são chamados de "sukuk" e existem em diversos mercados, como Londres. Saxônia-Anhalt, uma região alemã, emitiu um sukuk em 2004. Pode-se esperar que outros países usem esse instrumento.

FOLHA - As finanças farão o direito islâmico relevante neste século?
WEILL
- Irão contribuir para tornar as pessoas conscientes de alguns aspectos da lei islâmica. Mas isso não significa que essa informação vai contribuir para mais pessoas adotarem os princípios da lei islâmica. Vai depender totalmente das motivações dos utilizadores das finanças islâmicas.

FOLHA - Quantos especialistas em finanças islâmicas há na Europa?
WEILL
- Muito poucos. É um conceito recente -o primeiro banco islâmico moderno foi criado em 1975.


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