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França cria curso de finanças islâmicas
Professor da Universidade de Estrasburgo afirma que doutrina econômica prevista no Corão poderia ter prevenido crise global
Coordenador do curso defende "modo islâmico" de investir, ao mesmo tempo arriscado para os bancos e estável para a sociedade
LUÍS FERRARI
TATIANA CUNHA
DA REDAÇÃO
Atrás de novos empregos, a
Europa continental começou a
estudar a sharia, código legal
inspirado no Corão, o livro sagrado dos muçulmanos. A Universidade de Estrasburgo lançou em janeiro o primeiro curso de pós-graduação em finanças islâmicas da região.
À Folha Laurent Weill, doutor em economia e coordenador do curso francês, explicou
as peculiaridades de uma realidade financeira que proíbe pagamento de juros e veda investimentos em uma série de setores econômicos.
E foi além, ao constatar que,
se as finanças islâmicas fossem
aplicadas mundialmente, provavelmente a crise econômica
global não teria acontecido.
FOLHA - Qual é o conceito central
das finanças islâmicas?
LAURENT WEILL - Do ponto de vista econômico: proibir juros. Na
perspectiva filosófica: considerar certos valores éticos.
FOLHA - Se a doutrina econômica
do Corão fosse aplicada em todo o
mundo, a crise teria sido evitada?
WEILL - Provavelmente, mas
não por razões morais, e sim
por motivos ligados às proibições. Os princípios das finanças
islâmicas impedem que existam "ativos tóxicos", que pesaram para a crise. Mas os princípios do Corão não são contra a
busca do lucro, e isso poderia
ter contribuído para a crise.
O islã respeita e promove a
riqueza, mesmo considerando
que a busca do lucro deve ser almejada com a promoção de outros valores, como a justiça. As
finanças islâmicas são uma atividade arriscada por natureza.
Os clientes não podem obter
um juro fixo em suas contas, o
que significa um risco maior
para eles. Significa também que
os bancos devem se envolver
em atividades participativas,
virando acionistas dos projetos
financiados, o que implica um
grande risco para os bancos.
Estudos acadêmicos da relação entre bancos e estabilidade
financeira não mostram que os
islâmicos são mais estáveis que
os convencionais.
FOLHA - Como finanças islâmicas
podem ajudar o mercado no futuro?
WEILL - No mínimo, proporcionando diversificação para os
investidores. As finanças islâmicas não são apenas para os
muçulmanos, mas para todos
os investidores. No máximo,
oferecendo novos valores para
as finanças que possam contribuir com justiça e cooperação.
Para os muçulmanos que
pretendem respeitar a sharia
não utilizando atividades baseadas em juros, as finanças islâmicas significam o acesso ao
crédito. Aos não-muçulmanos,
é uma opção de investimento.
FOLHA - Por que criar o curso?
WEILL - A difusão das finanças
islâmicas traz oportunidades
de trabalho. O grande crescimento dessas atividades se expandirá para a Europa logo.
Possivelmente chegarão ao
mercado francês em 2009. Há
fundos islâmicos em Luxemburgo, e esperamos sua expansão para Suíça e Alemanha.
FOLHA - Qual é o público alvo?
WEILL - Profissionais e estudantes com base em direito e/
ou finanças e que querem ampliar conhecimentos. A maioria
trabalha em instituições financeiras ou como advogados.
FOLHA - Para preparar as aulas há
consultas a religiosos?
WEILL - De maneira alguma. O
curso deseja prover conhecimento de um ponto de vista
científico e neutro, de uma
perspectiva legal e financeira.
FOLHA - De onde são os alunos? Todos são muçulmanos? Há mulheres?
WEILL - Eles vêm da França, do
norte da África e de Luxemburgo. Esperamos que, no ano que
vem, venham também de Alemanha e Suíça, entre outros
países. Não posso afirmar
quantos são muçulmanos, pois
não temos esses dados. Acredito que a maioria seja, embora
haja alguns claramente não-muçulmanos. E, sim, há várias
mulheres matriculadas.
FOLHA - É possível imaginar ações
islâmicas negociadas em Wall
Street, Londres ou Tóquio no futuro?
WEILL - Sim e já existem. Títulos islâmicos são chamados de
"sukuk" e existem em diversos
mercados, como Londres. Saxônia-Anhalt, uma região alemã, emitiu um sukuk em 2004.
Pode-se esperar que outros
países usem esse instrumento.
FOLHA - As finanças farão o direito
islâmico relevante neste século?
WEILL - Irão contribuir para
tornar as pessoas conscientes
de alguns aspectos da lei islâmica. Mas isso não significa que
essa informação vai contribuir
para mais pessoas adotarem os
princípios da lei islâmica. Vai
depender totalmente das motivações dos utilizadores das finanças islâmicas.
FOLHA - Quantos especialistas em
finanças islâmicas há na Europa?
WEILL - Muito poucos. É um
conceito recente -o primeiro
banco islâmico moderno foi
criado em 1975.
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