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ANÁLISE
Um país resiste melhor do que um aglomerado
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O pequeno intervalo entre o
terremoto no Haiti e o do Chile
leva, inexoravelmente, a uma
pergunta: como é que um tremor bem mais intenso provoca
bem menos danos e mortes?
A resposta é simples: o Chile
é um país, pobre, mas razoavelmente organizado; o Haiti é um
aglomerado, ainda mais pobre,
muitíssimo mais pobre.
É óbvio que o fato de o Chile
ser e saber ser um "país sísmico" também faz diferença: a cada dez anos, há um abalo grave
no Chile, vítima de dez pequenos tremores diários e 3.500
movimentos sísmicos anuais.
Já o Haiti conheceu no dia 12
de janeiro seu primeiro terremoto grave em uma geração.
Mas o país sofre frequentes
desastres naturais que, houvesse um poder público minimamente funcional, teriam levado
a pelo menos algum nível de
preparação. Mas não. Patrick
Midy, um arquiteto de destaque no Haiti, disse à agência Associated Press que sabia de apenas três prédios preparados para terremotos no país inteiro.
No Chile, há toda uma legislação sobre construções voltada para minimizar os efeitos de
abalos sísmicos, bem como a
preparação da população. No
Haiti, mês e meio depois do terremoto, boa parte das vítimas
ainda está entregue a sua própria iniciativa. É óbvio que nem
Chile nem Haiti podem evitar
terremotos. O que um Estado
pode fazer é, um, preparar-se e
à população para minimizar os
danos e, dois, reagir a qualquer
emergência da melhor forma.
No Haiti, o poder público virtualmente desapareceu após o
terremoto. Dê-se o desconto
devido ao fato de que só sobrou
de pé um ministério. Nem mesmo o palácio presidencial resistiu. Mas, se houvesse, antes, um
Estado minimamente organizado, ele voltaria a funcionar,
com inevitáveis limitações, assim que a ajuda estrangeira
transformou o aeroporto da capital em centro operacional.
Repito o que disse Miguel
Ángel Herrero, diretor-regional da ONG Intermón-Oxfam
para a América Central e o Caribe, após o desastre haitiano:
"Ninguém pode evitar um terremoto como o que ocorreu,
mas podemos, sim, fazer algo
para reduzir a vulnerabilidade
de quem tem que viver com esse perigo".
As vulnerabilidades, no Haiti, eram -e são- infinitamente
maiores do que no Chile. Como
diz Herrero, "a pobreza atrai o
desastre". É cruel, mas é um fato: em qualquer desastre natural, os mais pobres são sempre
as maiores vítimas. E não há,
nas Américas, maior número
de pobres, em relação à população, do que no Haiti.
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