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São Paulo, terça-feira, 01 de abril de 2003

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ARTIGO

Resistência iraquiana é relativa

LAWRENCE FREEDMAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Uma batalha de tanques travada quinta-feira passada pelo Royal Scots Dragoon Guards, um regimento blindado britânico, foi descrita como "a mais intensa desde El Alamein". Envolvia 14 tanques britânicos, que destruíram igual número de tanques inimigos, sem sofrer baixas.
O incidente resume muito do que vem acontecendo nesta guerra. Sortidas de tropas iraquianas vêm sendo esmagadas por força superior, mas episódios como o descrito, alguns dos quais bastante mais incômodos para a coalizão, estão sendo reportados sem grande senso de proporção.
Alamein é uma comparação instrutiva. Diante dos 195 mil soldados do 8º Exército britânico no Egito, o Afrika Korps ítalo-alemão tinha 105 mil combatentes. A vantagem em tanques era de 2 para 1 em favor dos britânicos (1.000 ante 500). A batalha durou mais do que a guerra contra o Iraque vem durando até o momento.
Inicialmente, a batalha, travada no último trimestre de 1942, não transcorreu bem para os britânicos. O feroz bombardeio inicial de artilharia não fez com que o inimigo se desmoralizasse. Os primeiros ataques terrestres não conseguiram avanços, e depois de uns poucos dias os aliados haviam perdido 6.200 soldados, ante 2.500 baixas para o Eixo. Os britânicos tiveram de fazer uma pausa para reagrupamento.
Em lugar de recorrer a assaltos diretos, o general Bernard Montgomery desgastou a resistência do inimigo por meio de operações em pequena escala e ataques aéreos, até que o número de tanques disponível para o seu oponente, o marechal Erwin Rommel, se reduzisse a um mínimo. Mesmo assim, na arrancada final, que forçou a retirada do inimigo, a 9ª Brigada Blindada britânica perdeu 102 de seus 128 tanques. A artilharia britânica conseguiu acertar suas próprias tropas, quando estas iniciavam a perseguição ao inimigo. A vitória custou 13,5 mil vidas aos aliados. Resistência "severa" é uma questão relativa.
Se houvesse correspondentes integrados às unidades aliadas e transmitindo para seus países em tempo real, atraindo atenção para cada confusão e revés sofrido, a vitória final teria causado uma certa surpresa. Winston Churchill, que tentava acompanhar a batalha de Londres, certamente se desanimou durante os estágios iniciais, porque temia que Montgomery repetisse o fracasso dos generais anteriores e não fizesse valer suas vantagens materiais. Essas vantagens derivavam do fato de que já há algum tempo os alemães não vinham sendo capazes de obter reforços, enquanto os britânicos ampliavam seu poderio constantemente. Esse é outro ponto quanto ao qual a batalha de El Alamein é relevante para a campanha atual. A tediosa tarefa de transportar suprimentos em suficiente volume para a linha de frente talvez seja mencionada apenas de passagem pelos correspondentes que descrevem os mais recentes embates, mas no final é ela que é crítica.
A conscientização quanto a esse ponto foi intensificada devido à preocupação quanto à possibilidade de que soldados irregulares iraquianos sejam capazes de interferir com a cadeia logística de 650 quilômetros que vai do Kuait às tropas avançadas, perto de Bagdá. Certamente a necessidade de proteger essa linha de suprimentos contra emboscadas começa a influenciar o movimento das tropas norte-americanas e encorajou o envio de mais 130 mil soldados para o teatro de guerra.
Por outro lado, o clima provavelmente vem sendo um fator até mais importante para o atraso nas operações, e as demais demandas antecipadas no planejamento -como por exemplo a necessidade de receber número imenso de prisioneiros e de lidar com as conseqüências de insurreições- não se concretizaram até agora.
Porque a campanha vem avançando de maneira lenta do que se esperava inicialmente, começam também a surgir comparações com o Vietnã, como se os norte-americanos estivessem enfrentando a perspectiva de passar anos envolvidos em guerra de guerrilhas. A comparação é inválida. O problema para os norte-americanos no Vietnã era não só o fato de que estavam tentando defender um regime imensamente impopular contra um inimigo astuto, mas também a falta de uma resposta à capacidade dos comunistas para se manterem abastecidos. O Vietnã do Norte jamais foi invadido e contou sempre com o apoio e a assistência da União Soviética e da China. E usava a famosa trilha de Ho Chi Minh para transportar provisões aos combatentes na parte sul do país.
Os iraquianos, em comparação, não dispõem de santuários nem de um inimigo desmoralizado do qual obter armas e munições. Chegará o momento em que unidades essenciais de suas forças armadas estarão cercadas e incapazes de se manter em combate por falta de provisões.
A questão quanto à resistência iraquiana não é sua capacidade evidente de causar frustração, mas determinar sua capacidade de impedir reforços e o reabastecimento contínuo das forças da coalizão. Isso parece estar além das capacidades do Iraque. Além disso, muitas das divisões posicionadas para a defesa de Bagdá fazem frente para o norte, e será difícil reordená-las em segurança. Politicamente, continuará a ser uma guerra difícil para a coalizão. Os traumas iniciais do combate de rua em Bagdá podem ser severos, especialmente porque os iraquianos decerto terão acumulado estoques para sua defesa. A chave para o sucesso aqui, como na campanha mais ampla, será a capacidade de isolar as forças defensoras, política tanto quanto fisicamente, e negar a elas suprimentos, armas e reforços.
O drama da guerra está no combate, mas a fonte da vitória é a logística.


Lawrence Freedman é professor de estudos de guerra no King's College de Londres


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