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ARTIGO
Resistência iraquiana é relativa
LAWRENCE FREEDMAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
Uma batalha de tanques travada
quinta-feira passada pelo Royal
Scots Dragoon Guards, um regimento blindado britânico, foi
descrita como "a mais intensa
desde El Alamein". Envolvia 14
tanques britânicos, que destruíram igual número de tanques inimigos, sem sofrer baixas.
O incidente resume muito do
que vem acontecendo nesta guerra. Sortidas de tropas iraquianas
vêm sendo esmagadas por força
superior, mas episódios como o
descrito, alguns dos quais bastante mais incômodos para a coalizão, estão sendo reportados sem
grande senso de proporção.
Alamein é uma comparação
instrutiva. Diante dos 195 mil soldados do 8º Exército britânico no
Egito, o Afrika Korps ítalo-alemão tinha 105 mil combatentes. A
vantagem em tanques era de 2 para 1 em favor dos britânicos (1.000
ante 500). A batalha durou mais
do que a guerra contra o Iraque
vem durando até o momento.
Inicialmente, a batalha, travada
no último trimestre de 1942, não
transcorreu bem para os britânicos. O feroz bombardeio inicial de
artilharia não fez com que o inimigo se desmoralizasse. Os primeiros ataques terrestres não
conseguiram avanços, e depois de
uns poucos dias os aliados haviam perdido 6.200 soldados, ante
2.500 baixas para o Eixo. Os britânicos tiveram de fazer uma pausa
para reagrupamento.
Em lugar de recorrer a assaltos
diretos, o general Bernard Montgomery desgastou a resistência do
inimigo por meio de operações
em pequena escala e ataques aéreos, até que o número de tanques
disponível para o seu oponente, o
marechal Erwin Rommel, se reduzisse a um mínimo. Mesmo assim, na arrancada final, que forçou a retirada do inimigo, a 9ª Brigada Blindada britânica perdeu
102 de seus 128 tanques. A artilharia britânica conseguiu acertar
suas próprias tropas, quando estas iniciavam a perseguição ao
inimigo. A vitória custou 13,5 mil
vidas aos aliados. Resistência "severa" é uma questão relativa.
Se houvesse correspondentes
integrados às unidades aliadas e
transmitindo para seus países em
tempo real, atraindo atenção para
cada confusão e revés sofrido, a
vitória final teria causado uma
certa surpresa. Winston Churchill, que tentava acompanhar a
batalha de Londres, certamente se
desanimou durante os estágios
iniciais, porque temia que Montgomery repetisse o fracasso dos
generais anteriores e não fizesse
valer suas vantagens materiais.
Essas vantagens derivavam do fato de que já há algum tempo os
alemães não vinham sendo capazes de obter reforços, enquanto os
britânicos ampliavam seu poderio constantemente. Esse é outro
ponto quanto ao qual a batalha de
El Alamein é relevante para a
campanha atual. A tediosa tarefa
de transportar suprimentos em
suficiente volume para a linha de
frente talvez seja mencionada
apenas de passagem pelos correspondentes que descrevem os mais
recentes embates, mas no final é
ela que é crítica.
A conscientização quanto a esse
ponto foi intensificada devido à
preocupação quanto à possibilidade de que soldados irregulares
iraquianos sejam capazes de interferir com a cadeia logística de
650 quilômetros que vai do Kuait
às tropas avançadas, perto de
Bagdá. Certamente a necessidade
de proteger essa linha de suprimentos contra emboscadas começa a influenciar o movimento
das tropas norte-americanas e encorajou o envio de mais 130 mil
soldados para o teatro de guerra.
Por outro lado, o clima provavelmente vem sendo um fator até
mais importante para o atraso nas
operações, e as demais demandas
antecipadas no planejamento
-como por exemplo a necessidade de receber número imenso
de prisioneiros e de lidar com as
conseqüências de insurreições-
não se concretizaram até agora.
Porque a campanha vem avançando de maneira lenta do que se
esperava inicialmente, começam
também a surgir comparações
com o Vietnã, como se os norte-americanos estivessem enfrentando a perspectiva de passar
anos envolvidos em guerra de
guerrilhas. A comparação é inválida. O problema para os norte-americanos no Vietnã era não só
o fato de que estavam tentando
defender um regime imensamente impopular contra um inimigo
astuto, mas também a falta de
uma resposta à capacidade dos
comunistas para se manterem
abastecidos. O Vietnã do Norte jamais foi invadido e contou sempre com o apoio e a assistência da
União Soviética e da China. E usava a famosa trilha de Ho Chi Minh
para transportar provisões aos
combatentes na parte sul do país.
Os iraquianos, em comparação,
não dispõem de santuários nem
de um inimigo desmoralizado do
qual obter armas e munições.
Chegará o momento em que unidades essenciais de suas forças armadas estarão cercadas e incapazes de se manter em combate por
falta de provisões.
A questão quanto à resistência
iraquiana não é sua capacidade
evidente de causar frustração,
mas determinar sua capacidade
de impedir reforços e o reabastecimento contínuo das forças da
coalizão. Isso parece estar além
das capacidades do Iraque. Além
disso, muitas das divisões posicionadas para a defesa de Bagdá
fazem frente para o norte, e será
difícil reordená-las em segurança.
Politicamente, continuará a ser
uma guerra difícil para a coalizão.
Os traumas iniciais do combate
de rua em Bagdá podem ser severos, especialmente porque os iraquianos decerto terão acumulado
estoques para sua defesa. A chave
para o sucesso aqui, como na
campanha mais ampla, será a capacidade de isolar as forças defensoras, política tanto quanto fisicamente, e negar a elas suprimentos, armas e reforços.
O drama da guerra está no combate, mas a fonte da vitória é a logística.
Lawrence Freedman é professor de estudos de guerra no King's College de
Londres
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