São Paulo, sábado, 01 de abril de 2006

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ARTIGO

A arma secreta do lobby pró-Israel

SHMUEL ROSNER
DO "HAARETZ"

O novo estudo sobre "O lobby israelense e a política externa dos EUA" coloca o jornalista diante de um dilema interessante: ignorá-lo -tendo concluído que é parcial, unilateral, tolo, repetitivo, e, sobretudo, não tem nada de novo a oferecer- ou escrever sobre ele, ciente de que os rótulos de "Harvard", "professores" e "Kennedy School" o tornarão aceitável aos olhos de muitos, e até mesmo digno de virar notícia? Em suma: precisamos cooperar para o avanço da causa do lixo acadêmico?
Decidi escrever -e é possível que tenha feito a opção errada. Mas ainda posso exortar outros a ignorá-lo, ou a utilizá-lo como ferramenta para outro estudo, mais interessante: "O declínio dos valores acadêmicos e o uso equivocado feito de títulos acadêmicos por pseudo-estudiosos americanos contemporâneos".
Agora, vamos dar uma olhada no que diz o estudo: "O interesse nacional dos EUA deve ser o objetivo primeiro da política externa americana. Nas últimas décadas, porém, e especialmente desde a Guerra dos Seis Dias, de 1967, o núcleo em torno do qual gira a política dos EUA para o Oriente Médio vem sendo a relação dos EUA com Israel".
Entendeu? Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush 1º, Clinton e Bush 2º, todos subordinaram os interesses nacionais dos EUA a Israel. Quer saber por quê? Eis a explicação dos estudiosos: "Seria possível supor que o vínculo entre os dois países se baseie em interesses estratégicos comuns ou em imperativos morais de peso maior. Como demonstramos, porém, nenhuma dessas explicações dá conta do nível notável de apoio material e diplomático que os EUA proporcionam a Israel. Em lugar disso, a direção geral da política americana na região se deve quase inteiramente à política doméstica americana e especialmente às atividades do "lobby israelense'".


Não gosta do lobby pró-Israel? Sem problema. Outros também não. Mas, por favor, não faça de conta que sua motivação é ajudar Israel

Uau, isso soa assustador. E como o lobby conseguiu fazer tudo isso? Ele dispunha de uma arma super-secreta: "A acusação de anti-semitismo".
E assim o estudo continua, baseando-se sobretudo em trechos de artigos de jornais, frases reproduzidas e fatos e cifras ensaiados. Você se lembra daqueles neoconservadores judeus que arrastaram a América ao Iraque por causa de Israel? Agora está "academicamente comprovado" que eles de fato o fizeram.
Você quer saber do que trata toda essa questão do Irã? "Poderíamos argumentar que Israel e o lobby não influíram muito sobre a política dos EUA em relação ao Irã, porque os EUA têm suas razões próprias para querer impedir o Irã de se nuclearizar. Isso é verdade em parte, mas as ambições nucleares do Irã não representam uma ameaça existencial aos EUA. Se Washington pôde conviver com uma URSS nuclear, uma China nuclear ou até mesmo uma Coréia do Norte nuclear, também pode conviver com um Irã nuclear."
Tá bom. É possível que também pudesse ter convivido com uma Alemanha nazista, não fossem todos aqueles aliados europeus que arrastaram os EUA para uma guerra "desnecessária".
Os autores do estudo ignoram convenientemente a questão da proliferação, como se ela não existisse. A única menção feita a ela é feita em relação a -respire fundo!- Israel. "Os esforços para limitar a proliferação nuclear parecem ser igualmente hipócritas, em vista da disposição dos EUA em aceitar o arsenal nuclear israelense", dizem eles. Nada de terroristas, de 11 de Setembro, nenhuma ameaça de introduzir uma bomba através dos portos, nenhum vínculo entre o Irã e organizações terroristas.
"Mesmo que Israel tenha sido um trunfo estratégico durante a Guerra Fria", afirmam os autores, "a primeira Guerra do Golfo revelou que Israel estava se transformando em ônus estratégico." Mas, espere um minuto -Israel não concordou em abster-se de utilizar suas armas e de reagir aos ataques iraquianos, para não atrapalhar os esforços dos EUA de formar uma coalizão anti-Iraque? E não ficamos sabendo anos atrás que a administração Kennedy, que tinha um pendor em favor dos árabes, iniciou essa linda amizade com Israel apenas depois de concluir que não se podia confiar que as instáveis ditaduras árabes ajudassem os EUA?
Mas não comecemos a discutir sobre cada pequeno detalhe que consta desse artigo. Isso levaria muito tempo e seria perda de tempo, já que está claro que os autores não estão aqui para se convencerem de que estão equivocados. "Os leitores podem rejeitar nossas conclusões", dizem -e eu as rejeito com toda certeza.
Eles também afirmam que "as evidências sobre as quais se baseiam não são controvertidas" -um exemplo excelente do truque que está por trás desse artigo. Reúna fatos precisos -mas apenas aqueles que lhe convêm- e utilize-os de maneira que serve a sua causa. Como alguém já disse uma vez: "A verdade existe -só mentiras são inventadas".
E o que mais dá raiva aqui é a hipocrisia. Você não gosta do lobby pró-Israel? Não tem problema. Muitas outras pessoas tampouco gostam. Mas por favor, por favor, não faça de conta que sua motivação é ajudar Israel. A frase que me enfureceu no estudo é aquela que afirma que "a influência do lobby tem sido negativa para Israel". Ah, então é por isso que eles parecem estar tão preocupados -por causa de Israel.

Tradução de Clara Allain

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