São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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ARTIGO

O Japão ressurge

MICHAEL J. GREEN
DA "FOREIGN AFFAIRS"

Hoje em dia, qualquer livro sobre a Ásia cujo título contenha a palavra "ascensão" provavelmente versará sobre a China. Com certeza foi tendo isso em mente que Kenneth Pyle decidiu pelo inteligente título "Japan Rising: The Resurgence of Japanese Power and Purpose" [Japão em ascensão; o ressurgimento do poder e determinação japoneses] para o seu abrangente estudo da cultura estratégica japonesa.
Em um momento no qual ministros, presidentes de empresas e jornalistas só passam por Tóquio porque estão a caminho de Pequim, Pyle nos lembra de que a China não é o único protagonista que está realizando escolhas estratégicas que determinarão o futuro da Ásia. "Depois de mais de meio século de pacifismo nacional e isolacionismo, o Japão está se preparando para se tornar um importante participante nas disputas estratégicas do século 21", diz a introdução.
O Japão mais determinado proposto pelo ex-primeiro-ministro Junichiro Koizumi e por seu sucessor, Shinzo Abe, é muitas vezes descrito por observadores como "nacionalista" ou mesmo "militarista".
Mas além de apontar para o fato de que os pilares básicos do pacifismo e passividade japoneses estão se erodindo, poucos autores são capazes de explicar a base para o atual pensamento estratégico japonês.
Conduzindo o leitor da chegada da frota norte-americana comandada pelo comodoro Matthew Perry à baía de Edo, em 1853, à Esfera da Co-Prosperidade da Grande Ásia, nos anos 30, e à aliança com os Estados Unidos na década de 40, depois da guerra, Pyle demonstra como as elites japonesas mantiveram intensamente o foco em maximizar a autonomia, posição e honra do país.
Ele também demonstra de que maneira elas se mantiveram atentas à distribuição internacional de poder e adotaram as práticas de mais sucesso das potências hegemônicas. Ao ler esse trabalho histórico, percebemos que o Japão não está retomando suas raízes mais realistas; na verdade, nunca as abandonou.

Mais com menos
Um dos elementos mais notáveis do relato de Pyle é a maneira pela qual o Japão consistentemente conseguiu fazer mais usando menos. Pyle aponta que, entre 1860 e 1938, quando o Japão começava a afirmar sua posição de pretendente ao domínio de metade do planeta, sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) mundial cresceu de 2,6% para 3,8%.
Sob o lema de "nação rica, Exército forte", a elite da era Meiji adotou as tecnologias e instituições ocidentais que serviam ao propósito de uma rápida modernização e ao objetivo de canalizar as mais avançadas tecnologias para o Exército e a Marinha imperiais.
Em 1860, a maioria dos militares a serviço do Japão continuavam armados de espadas, alabardas ou lanças; em dezembro de 1940, o Japão estava projetando, construindo e empregando operacionalmente alguns dos mais modernos encouraçados e caças do mundo.
Depois de uma derrota catastrófica em 1945, o Japão se viu forçado a uma acomodação com os ocupantes norte-americanos e à nova ordem internacional dominada pelos Estados Unidos.
O arquiteto da estratégia japonesa no pós-guerra, o primeiro-ministro Shigeru Yoshida, acreditava que a liderança do pré-guerra não havia dedicado atenção suficiente às relações de poder internacionais, e que havia administrado de maneira ineficiente as fontes de poderio nacional do país.
Yoshida alinhou Tóquio a Washington de maneira estreita, e garantiu que o foco do Japão no pós-guerra continuasse a ser a reconstrução econômica, e não a remilitarização.
Yoshida e a elite conservadora viam o pacifismo como maneira de maximizar a autonomia nacional do Japão até que o país se tivesse recuperado. Os sucessores dele garantiram que o artigo nove fosse institucionalizado como parte das leis domésticas, o que oferecia ao país uma via de escape com relação a envolvimento excessivo na estratégia dos Estados Unidos durante a Gerra Fria.
Yoshida tinha especial preocupação em manter a liberdade de ação do Japão para estabelecer relações comerciais com a China, que ele tinha certeza terminaria por se libertar da sujeição à União Soviética.
Com o final da Guerra Fria, a elite do Japão se viu uma vez mais forçada a se ajustar a uma nova ordem internacional. Depois de cinco décadas de forte crescimento econômico, a nação parecia dispor das ferramentas necessárias a reforçar sua posição, mantendo o alinhamento com a única superpotência do mundo.
Boa parte da elite japonesa acatava a famosa fórmula do ex-ministro assistente das Finanças Eisuke Sakakibara, de que a economia japonesa havia "ultrapassado o capitalismo" e, por isso, Tóquio poderia dar forma ao seu ambiente estratégico com base em uma posição de liderança na Ásia e sem necessidade de militarizar o país.
Em lugar disso, a década de 90 viu um Japão paralisado durante a primeira guerra do Golfo Pérsico, desprovido de um modelo econômico confiável depois do colapso da bolha em seus mercados, incapaz de usar a interdependência econômica para influenciar o alcance estratégico que a China começava a desenvolver e sob ameaça de uma Coréia do Norte determinada a ter armas nucleares.
Foi só depois de uma década de deriva que o Japão voltou a encontrar o rumo, sob a liderança de Koizumi e Abe, ambos representantes de famílias políticas opositoras de Yoshida. Koizumi atacou a base de poder da velha guarda do Partido Liberal Democrata, que governa o país, e fomentou a reestruturação necessária a recolocar a economia nos trilhos.
Pyle prevê que o Japão continuará a conduzir a sintonia fina de seu poderio nacional a fim de se adaptar às mudanças no ambiente internacional. Ele aponta que o Japão ainda não descobriu como conviver com o legado da Segunda Guerra ou fez as difíceis escolhas necessárias para sustentar o crescimento econômico em longo prazo (como a reforma das políticas de imigração e agrícola).
Em resumo: o Japão começou a explorar novas fontes de poder a fim de manter sua posição de liderança na Ásia, como aconteceu tantas outras vezes no passado.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


NA INTERNET - Leia a íntegra do artigo
www.folha.com.br/070902



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