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Bashir racha cúpula árabe-sul-americana
Latinos rejeitam declaração favorável; colocado ao lado do ditador do Sudão, Lula deixa almoço antes do fim
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DOHA
Como esperado, a presença
do ditador sudanês Omar al
Bashir causou imenso mal-estar e rachou a segunda Cúpula
América do Sul-Países Árabes,
ontem em Doha. Processado
por crimes contra a humanidade, Bashir esperava receber o
mesmo apoio manifestado um
dia antes pela Liga Árabe, mas
os países sul-americanos preferiram uma declaração vaga sobre o conflito em Darfur.
O tema foi evitado durante
boa parte do encontro pelos líderes sul-americanos, com exceção do venezuelano Hugo
Chávez, que aderiu à posição
árabe e rejeitou com veemência
a ordem de prisão emitida há
um mês pelo Tribunal Penal
Internacional (TPI).
Aumentando o constrangimento para o Brasil, a organização da cúpula posicionou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao lado de Bashir no banquete para os chefes de Estado.
Surpreso, Lula acabou tendo
que deixar o almoço logo no início. "Só comi salada", disse o
presidente à Folha ao ser indagado sobre o banquete.
Segundo a assessoria da Presidência, ele e o ditador sudanês se cumprimentaram rapidamente, quando Lula saía da
tenda armada para o almoço, e
não chegaram a trocar palavra.
Após a cúpula, o presidente
brasileiro partiu de Doha sem
falar com os jornalistas.
Coube à chilena Michelle Bachelet deixar clara a posição
sul-americana em relação ao
tema mais controverso da cúpula. Após algum rodeio, Bachelet explicou a jornalistas
brasileiros porque a decisão do
TPI tinha que ser respeitada.
"Pela nossa própria experiência, há momentos em que a
soberania dos países não basta.
Há valores que são universais",
disse a presidente. Ironicamente, o Chile é o único país
sul-americano que não é membro do TPI. Durante a entrevista, Bachelet lembrou que foi vítima da repressão militar.
Expectativa
Antes da cúpula, diplomatas
brasileiros não escondiam a
torcida para que o ditador não
aparecesse em Doha. O chanceler Celso Amorim admitiu que
preferia ver o tema fora da
agenda do encontro. Em seu
discurso, Bashir chamou a decisão do TPI de "vergonhosa",
mas não pediu explicitamente
o apoio sul-americano.
Rompendo o silêncio sul-americano, Hugo Chávez disse
que manifestou seu apoio "absoluto e pleno" ao sudanês e referiu-se à ordem de prisão emitida pelo TPI como uma ação
política contra o mundo em desenvolvimento.
"Por que não foram buscar o
genocida Bush pela invasão do
Iraque? Isso é uma arma política contra o Terceiro Mundo. Se
o presidente cometeu algum
crime, cabe à Justiça de seu
país julgá-lo", disse Chávez,
que convidou Bashir a visitar a
Venezuela. "O Brasil deveria se
sentir atropelado, assim como
todos do Terceiro Mundo."
No início de março o TPI
emitiu ordem de prisão contra
Bashir por crimes de guerra e
contra a humanidade no conflito de Darfur, onde mais de 300
mil morreram, estima a ONU.
A decisão dos países sul-americanos de não apoiar Bashir desapontou o governo do Sudão.
"Este é um caso de seletividade de Justiça", declarou à Folha o comissário sudanês de
ajuda humanitária em Darfur,
Hasabo Mohamad: "Há vários
casos de violações de direitos
humanos no mundo. Esperávamos que os sul-americanos entendessem que a ação do TPI é
política".
Mas, para o jornalista sudanês Tariq Sheikh, que trabalha
num jornal de Doha, depois de
viver experiências "dolorosas"
de violações de direitos humanos na época das ditaduras militares, o continente não tinha
como apoiar Bashir.
"Está claro que Bashir tem
responsabilidade sobre os crimes em Darfur e ele precisa pagar por eles", disse Sheikh.
A Declaração de Doha inclui
um vago parágrafo sobre o conflito no Sudão, em que os países
pedem uma "solução urgente"
e manifestam "apoio aos direitos humanos" na região.
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