São Paulo, quarta-feira, 01 de abril de 2009

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Bashir racha cúpula árabe-sul-americana

Latinos rejeitam declaração favorável; colocado ao lado do ditador do Sudão, Lula deixa almoço antes do fim

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DOHA

Como esperado, a presença do ditador sudanês Omar al Bashir causou imenso mal-estar e rachou a segunda Cúpula América do Sul-Países Árabes, ontem em Doha. Processado por crimes contra a humanidade, Bashir esperava receber o mesmo apoio manifestado um dia antes pela Liga Árabe, mas os países sul-americanos preferiram uma declaração vaga sobre o conflito em Darfur.
O tema foi evitado durante boa parte do encontro pelos líderes sul-americanos, com exceção do venezuelano Hugo Chávez, que aderiu à posição árabe e rejeitou com veemência a ordem de prisão emitida há um mês pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).
Aumentando o constrangimento para o Brasil, a organização da cúpula posicionou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao lado de Bashir no banquete para os chefes de Estado. Surpreso, Lula acabou tendo que deixar o almoço logo no início. "Só comi salada", disse o presidente à Folha ao ser indagado sobre o banquete.
Segundo a assessoria da Presidência, ele e o ditador sudanês se cumprimentaram rapidamente, quando Lula saía da tenda armada para o almoço, e não chegaram a trocar palavra. Após a cúpula, o presidente brasileiro partiu de Doha sem falar com os jornalistas.
Coube à chilena Michelle Bachelet deixar clara a posição sul-americana em relação ao tema mais controverso da cúpula. Após algum rodeio, Bachelet explicou a jornalistas brasileiros porque a decisão do TPI tinha que ser respeitada.
"Pela nossa própria experiência, há momentos em que a soberania dos países não basta. Há valores que são universais", disse a presidente. Ironicamente, o Chile é o único país sul-americano que não é membro do TPI. Durante a entrevista, Bachelet lembrou que foi vítima da repressão militar.

Expectativa
Antes da cúpula, diplomatas brasileiros não escondiam a torcida para que o ditador não aparecesse em Doha. O chanceler Celso Amorim admitiu que preferia ver o tema fora da agenda do encontro. Em seu discurso, Bashir chamou a decisão do TPI de "vergonhosa", mas não pediu explicitamente o apoio sul-americano.
Rompendo o silêncio sul-americano, Hugo Chávez disse que manifestou seu apoio "absoluto e pleno" ao sudanês e referiu-se à ordem de prisão emitida pelo TPI como uma ação política contra o mundo em desenvolvimento.
"Por que não foram buscar o genocida Bush pela invasão do Iraque? Isso é uma arma política contra o Terceiro Mundo. Se o presidente cometeu algum crime, cabe à Justiça de seu país julgá-lo", disse Chávez, que convidou Bashir a visitar a Venezuela. "O Brasil deveria se sentir atropelado, assim como todos do Terceiro Mundo."
No início de março o TPI emitiu ordem de prisão contra Bashir por crimes de guerra e contra a humanidade no conflito de Darfur, onde mais de 300 mil morreram, estima a ONU. A decisão dos países sul-americanos de não apoiar Bashir desapontou o governo do Sudão.
"Este é um caso de seletividade de Justiça", declarou à Folha o comissário sudanês de ajuda humanitária em Darfur, Hasabo Mohamad: "Há vários casos de violações de direitos humanos no mundo. Esperávamos que os sul-americanos entendessem que a ação do TPI é política".
Mas, para o jornalista sudanês Tariq Sheikh, que trabalha num jornal de Doha, depois de viver experiências "dolorosas" de violações de direitos humanos na época das ditaduras militares, o continente não tinha como apoiar Bashir.
"Está claro que Bashir tem responsabilidade sobre os crimes em Darfur e ele precisa pagar por eles", disse Sheikh.
A Declaração de Doha inclui um vago parágrafo sobre o conflito no Sudão, em que os países pedem uma "solução urgente" e manifestam "apoio aos direitos humanos" na região.


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