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ARTIGO
Discurso de Bush não bate com a realidade
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
"Todos nós somos capazes de
acreditar em coisas que sabemos
não serem verdade, e então,
quando finalmente se comprova
que estávamos errados, pura e
simplesmente distorcemos os fatos para indicar que estávamos
certos. Intelectualmente, é possível levar esse processo adiante por
tempo indefinido: o único problema é que, cedo ou tarde, uma
idéia falsa se choca com a realidade sólida, geralmente no campo
de batalha." O trecho é tirado do
ensaio de George Orwell "In
Front of Your Nose" (diante de
seu nariz), de 1946. Parece ser especialmente relevante agora,
quando vemos os destroços da
aventura americana no Iraque.
Amanhã um ano terá se passado desde que George W. Bush
aterrissou sobre um porta-aviões,
anunciando "missão cumprida".
Ao longo de todo esse ano, até o
aumento da violência verificado
neste mês, autoridades do governo nos asseguraram que as coisas
estavam indo bem no Iraque. O
padrão de vida, disseram, estava
melhorando. A resistência consistia só de um punhado de combatentes, auxiliados por alguns estrangeiros -e cada momento de
calmaria entre ataques era acompanhado de declarações de que a
campanha contra os insurgentes
já passara pelo pior.
Quer dizer que mentiram para
nós. E o que há de novo? No entanto há mais em jogo aqui do que
a credibilidade do governo. A história oficial apresentou um círculo virtuoso de reconstrução nacional, algo que, com o tempo, levaria a um Iraque democrático,
aliado aos EUA. Na realidade, parece que estamos diante de um
círculo vicioso, no qual a deterioração da situação de segurança
solapa a reconstrução. Pode essa
situação ainda ser salva?
Mesmo entre os críticos acirrados da política do governo para o
Iraque, a posição mais comum é
que precisamos concluir o trabalho. Você já ouviu os argumentos:
nós compramos a briga, nós quebramos o que havia. Não podemos simplesmente dar o fora.
Precisamos continuar até acabar
o serviço. Compreendo o apelo
desses argumentos, mas a aritmética me preocupa.
Todas as informações às quais
pude ter acesso indicam que a situação no Iraque está realmente
ruim. Não é bom sinal quando,
um ano depois de iniciada uma
ocupação, o Exército ocupante
manda vir mais tanques.
Os civis ocidentais se refugiaram em encraves armados. As
forças americanas têm condições
de defender esses encraves e, provavelmente, de manter o fluxo de
suprimentos essenciais. Mas não
dispomos de tropas suficientes
para forçar uma mudança no círculo vicioso. As forças iraquianas
que supostamente iriam preencher o vácuo de segurança desabaram -ou se voltaram contra
nós- diante dos problemas.
E todas as propostas que ouvimos para resolver essa situação
grave parecem ser ou pouco praticáveis ou muito aquém do que é
necessário. Alguns dizem que deveríamos enviar mais soldados ao
Iraque. Mas as Forças Armadas
americanas não têm mais soldados a enviar.
Outros dizem que devemos
buscar mais apoio de outros países. Pode ter havido um tempo
-por exemplo, no último verão
americano- quando os EUA poderiam ter fechado um acordo:
cedendo muita autoridade à
ONU, talvez tivéssemos conseguido persuadir países que têm Exércitos grandes, como a Índia, a
contribuir com grande número
de tropas de paz. Mas é difícil
imaginar que qualquer país, hoje,
vá enviar forças significativas para o caldeirão iraquiano.
Alguns depositam suas esperanças numa solução política:
acham que a violência vai diminuir se se permitir que a ONU indique um governo interino que os
iraquianos não vejam como sendo fantoche dos EUA.
Esperemos que eles tenham razão. Mas vale a pena lembrar que,
neste momento, os EUA ainda
pretendem entregar a "soberania" a um organismo, ainda sem
nome, que praticamente não terá
poder algum. Para todas as finalidades práticas, quem vai presidir
o país será o embaixador americano. Os americanos podem acreditar que tudo vai mudar em 30 de
junho, mas é pouco provável que
os iraquianos se deixem enganar.
Por falar nisso, boa parte do mundo árabe acredita que cometemos
crimes de guerra em Fallujah.
Não tenho um plano para o Iraque. Mas desconfio que todos os
planos que se ouvem agora sejam
irrelevantes. Se os líderes americanos não tivessem tomado tantas decisões erradas, poderiam ter
tido uma chance de moldar o Iraque da maneira como queriam.
Mas essa janela se fechou.
Tradução de Clara Allain
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