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China enfrenta agora "jogo difícil"
País precisa de sistema político transparente para enfrentar nova fase do desenvolvimento, diz sinólogo
Para Richard Baum, dirigentes não poderão ficar eternamente "procurando um substituto para a democracia de verdade"
CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO
O presidente chinês, Hu Jintao, falou em "democracia" e
"leis" em discurso na semana
passada, no qual expôs seu programa para o 17º congresso do
Partido Comunista, em outubro. São palavras cada vez mais
presentes na retórica oficial
chinesa -um reflexo de pressões que vêm de baixo e uma
tentativa de manter, com nova
face, o regime de partido único.
Mas a China não poderá ficar
eternamente procurando substitutos para a democracia e precisará de um sistema político
muito mais transparente para
enfrentar a nova fase das reformas, o "jogo difícil", em que
precisa lidar com o atraso no
campo e a degradação ambiental. É o que diz, em entrevista à
Folha, o diretor do Centro de
Estudos Chineses da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Richard Baum. Baum é
autor de oito livros sobre a China e já deu aulas na Universidade de Pequim e na Universidade Chinesa de Hong Kong.
Abaixo, trechos da entrevista.
FOLHA - O que significam as expressões "democracia" e "Estado de
direito" na retórica dos dirigentes
chineses?
RICHARD BAUM - Certamente algo diferente do que no Ocidente. "Estado de direito" se tornou cada vez mais importante
na China porque os dirigentes
chineses entenderam que a
percepção de Justiça igual para
todos é uma base muito importante da legitimidade nos Estados modernos. Como sabemos,
há um problema muito grave
de corrupção oficial na China,
que minou a confiança no desempenho do governo, particularmente em nível local. O governo central sabe disso e também que os governos locais estão em colusão com os tribunais e a polícia e que a maioria
dos cidadãos não pode ter a expectativa de processos justos.
Então é uma questão de sobrevivência para o regime.
FOLHA - E no caso da democracia?
BAUM - A liderança chinesa
sempre usa a palavra democracia em combinação com o adjetivo "socialista". O que isso significa, para eles, é que a opinião
popular, ouvida por meio de
consultas e pesquisas, deve ser
levada em conta na formulação
das políticas governamentais.
Mas não significa que o povo
escolha os líderes ou as políticas, toma decisões.
FOLHA - É possível dizer quais são
as aspirações políticas dos chineses?
BAUM - Acho que o sentido de
democracia como autogoverno,
escolher os próprios dirigentes
em eleições livres e justas, está
por enquanto limitado a parte
reduzida da população chinesa,
principalmente a população
urbana com maior nível educacional. Os líderes chineses gostam de números das ciências
sociais que mostram que, quando o desenvolvimento econômico eleva a renda per capita
para entre US$ 6.000 e US$
8.000 por ano, é possível falar
de democracias estáveis. Antes,
é problemático porque as pessoas estão ocupadas em sobreviver. Mas o histórico do Leste
Asiático é encorajador. Taiwan
se tornou uma democracia depois de alcançar a marca dos
US$ 6.000.
FOLHA - Que lições o governo chinês tira de experiências como a de
Taiwan?
BAUM - Eles estão tentando
encontrar qualquer alternativa
à democracia de verdade. A última experiência é o neoconfucionismo, a "sociedade harmoniosa". Se você tiver uma sociedade harmoniosa, as pessoas
não vão reivindicar acesso ao
sistema político ou ao voto porque haverá a formação de um
consenso baseada no desejo de
acomodação mútua. Não é a luta entre interessantes conflitantes de que trata a democracia. É uma espécie de paternalismo o que querem. Um modelo como o de Cingapura, só que
Cingapura, além de ser uma cidade-Estado, tem mais dinheiro e uma imprensa bastante livre. Mas não acho que a China
possa ficar eternamente procurando um modelo substituto.
FOLHA - No caso recente dos trabalhadores escravos, a impressão é
que a liderança usou a mídia oficial
para mandar mensagens a autoridades locais. O quanto eles conseguirão manter a circulação de informações dentro de limites?
BAUM - É cada vez mais difícil,
para eles, impedir a circulação
de informações negativas. É
um dilema para o governo: se
ignora notícias ruins, vai aumentar a insatisfação popular;
se responde a elas, abre uma
caixa de Pandora porque as
pessoas começam a querer saber mais e mais. Eles decidiram
não recuar diante da revolução
da informação. Mas não podem
continuar fazendo isso para
sempre porque há muitos vazamentos em blogs, salas de conversação, mensagens de celular. Então o governo sente que
tem de passar a impressão de
que está agindo em favor da
parte atingida, no caso as crianças escravizadas.
FOLHA - Há hoje alguma disputa
séria pelo poder dentro do PC?
BAUM - As disputas que hoje os
dividem são muito menos pronunciadas hoje do que há 20
anos, quando ainda havia muita
oposição à abertura econômica.
Hoje as questões importantes
são onde investir mais dinheiro, a que áreas conceder benefícios fiscais, prioridades comuns a quase todos os países.
Em todos os países há divisões
direita-esquerda sobre essas
questões de distribuição de
renda, livre mercado, livre comércio. E é saudável que elas
também existam na China.
FOLHA - A China está virando um
país mais parecido com os outros?
BAUM - É, mas o que a impede
de ser um país normal é o fato
de ter esse enorme atraso e a
pobreza na área rural que a puxam para baixo. Se a China não
tivesse o campo, seria Cingapura. Os chineses chegaram tão
longe tão rápido que alguns dos
problemas graves, como o da
poluição, não foram solucionados. Eles não navegam em
águas calmas, de jeito nenhum.
Agora vem o jogo difícil, e ele
vai requerer um sistema político muito mais transparente e
reativo para que eles possam se
mover para o próximo nível.
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