São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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China enfrenta agora "jogo difícil"

País precisa de sistema político transparente para enfrentar nova fase do desenvolvimento, diz sinólogo

Para Richard Baum, dirigentes não poderão ficar eternamente "procurando um substituto para a democracia de verdade"

CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO

O presidente chinês, Hu Jintao, falou em "democracia" e "leis" em discurso na semana passada, no qual expôs seu programa para o 17º congresso do Partido Comunista, em outubro. São palavras cada vez mais presentes na retórica oficial chinesa -um reflexo de pressões que vêm de baixo e uma tentativa de manter, com nova face, o regime de partido único.
Mas a China não poderá ficar eternamente procurando substitutos para a democracia e precisará de um sistema político muito mais transparente para enfrentar a nova fase das reformas, o "jogo difícil", em que precisa lidar com o atraso no campo e a degradação ambiental. É o que diz, em entrevista à Folha, o diretor do Centro de Estudos Chineses da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Richard Baum. Baum é autor de oito livros sobre a China e já deu aulas na Universidade de Pequim e na Universidade Chinesa de Hong Kong. Abaixo, trechos da entrevista.

 

FOLHA - O que significam as expressões "democracia" e "Estado de direito" na retórica dos dirigentes chineses?
RICHARD BAUM
- Certamente algo diferente do que no Ocidente. "Estado de direito" se tornou cada vez mais importante na China porque os dirigentes chineses entenderam que a percepção de Justiça igual para todos é uma base muito importante da legitimidade nos Estados modernos. Como sabemos, há um problema muito grave de corrupção oficial na China, que minou a confiança no desempenho do governo, particularmente em nível local. O governo central sabe disso e também que os governos locais estão em colusão com os tribunais e a polícia e que a maioria dos cidadãos não pode ter a expectativa de processos justos. Então é uma questão de sobrevivência para o regime.

FOLHA - E no caso da democracia?
BAUM
- A liderança chinesa sempre usa a palavra democracia em combinação com o adjetivo "socialista". O que isso significa, para eles, é que a opinião popular, ouvida por meio de consultas e pesquisas, deve ser levada em conta na formulação das políticas governamentais. Mas não significa que o povo escolha os líderes ou as políticas, toma decisões.

FOLHA - É possível dizer quais são as aspirações políticas dos chineses?
BAUM
- Acho que o sentido de democracia como autogoverno, escolher os próprios dirigentes em eleições livres e justas, está por enquanto limitado a parte reduzida da população chinesa, principalmente a população urbana com maior nível educacional. Os líderes chineses gostam de números das ciências sociais que mostram que, quando o desenvolvimento econômico eleva a renda per capita para entre US$ 6.000 e US$ 8.000 por ano, é possível falar de democracias estáveis. Antes, é problemático porque as pessoas estão ocupadas em sobreviver. Mas o histórico do Leste Asiático é encorajador. Taiwan se tornou uma democracia depois de alcançar a marca dos US$ 6.000.

FOLHA - Que lições o governo chinês tira de experiências como a de Taiwan?
BAUM
- Eles estão tentando encontrar qualquer alternativa à democracia de verdade. A última experiência é o neoconfucionismo, a "sociedade harmoniosa". Se você tiver uma sociedade harmoniosa, as pessoas não vão reivindicar acesso ao sistema político ou ao voto porque haverá a formação de um consenso baseada no desejo de acomodação mútua. Não é a luta entre interessantes conflitantes de que trata a democracia. É uma espécie de paternalismo o que querem. Um modelo como o de Cingapura, só que Cingapura, além de ser uma cidade-Estado, tem mais dinheiro e uma imprensa bastante livre. Mas não acho que a China possa ficar eternamente procurando um modelo substituto.

FOLHA - No caso recente dos trabalhadores escravos, a impressão é que a liderança usou a mídia oficial para mandar mensagens a autoridades locais. O quanto eles conseguirão manter a circulação de informações dentro de limites?
BAUM
- É cada vez mais difícil, para eles, impedir a circulação de informações negativas. É um dilema para o governo: se ignora notícias ruins, vai aumentar a insatisfação popular; se responde a elas, abre uma caixa de Pandora porque as pessoas começam a querer saber mais e mais. Eles decidiram não recuar diante da revolução da informação. Mas não podem continuar fazendo isso para sempre porque há muitos vazamentos em blogs, salas de conversação, mensagens de celular. Então o governo sente que tem de passar a impressão de que está agindo em favor da parte atingida, no caso as crianças escravizadas.

FOLHA - Há hoje alguma disputa séria pelo poder dentro do PC?
BAUM
- As disputas que hoje os dividem são muito menos pronunciadas hoje do que há 20 anos, quando ainda havia muita oposição à abertura econômica. Hoje as questões importantes são onde investir mais dinheiro, a que áreas conceder benefícios fiscais, prioridades comuns a quase todos os países. Em todos os países há divisões direita-esquerda sobre essas questões de distribuição de renda, livre mercado, livre comércio. E é saudável que elas também existam na China.

FOLHA - A China está virando um país mais parecido com os outros?
BAUM
- É, mas o que a impede de ser um país normal é o fato de ter esse enorme atraso e a pobreza na área rural que a puxam para baixo. Se a China não tivesse o campo, seria Cingapura. Os chineses chegaram tão longe tão rápido que alguns dos problemas graves, como o da poluição, não foram solucionados. Eles não navegam em águas calmas, de jeito nenhum. Agora vem o jogo difícil, e ele vai requerer um sistema político muito mais transparente e reativo para que eles possam se mover para o próximo nível.


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