São Paulo, segunda, 1 de setembro de 1997.



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Ao 'Le Monde', a princesa contou seus planos de engajamento em causas humanitárias e criticou a mídia
'A imprensa é feroz, não perdoa', disse Diana dias antes de morrer


da Redação

Leia a seguir os principais trechos da última entrevista de Diana publicada antes de sua morte, em 27 de agosto passado no jornal francês "Le Monde" sob o título "A princesa de grande coração".

ANNICK COJEAN
do "Le Monde"

Desta vez é ela a anfitriã. E esse papel lhe cai bem, confere a seus gestos ainda mais agilidade e a seus olhos de cor azul real um brilho de audácia e alegria travessa.
A princesa não tem aquele rigor de uma rainha que conta os segundos e depois retira seu sorriso do rosto, como outros tiram o chapéu. A princesa está em sua casa, descontraída, independente. Sem dúvida, é o único lugar onde não corre o risco de ser crivada de teleobjetivas.
A impressão que transmite é sobretudo de se sentir livre. Mas, afinal, não foi de maneira espontânea que ela aceitou conceder uma entrevista, com foto? A idéia a encantava, respondeu depois de receber nossa carta. Ela estava disposta a jogar o jogo.
Ao que parece, a princesa tem gavetas inteiras de fotos. Mas é a seleção feita pelo "Le Monde" que chama sua atenção. Não são fotos roubadas, privadas, íntimas.
São fotos conhecidas de uma personalidade pública que, ao chamar a atenção para um problema da sociedade ou uma causa humanitária, reforçaram o mito de uma princesa de grande coração.
Diana olha as fotos, uma a uma, e nos fornece a legenda. "Presto muita atenção às pessoas", diz, "e me lembro delas. Cada encontro, cada visita, é especial."
A princesa pára. Em sua mão, a fotocópia de uma foto tirada no Paquistão, em 1996. "Este garotinho morreu", diz ela. "Eu pressenti sua morte quando o tomei nos braços. Essa foto me é muito cara". Não há mais carapuça nem proteção. O engajamento é sincero e máximo. Também é arriscado.
As multidões o sentem desde o primeiro dia, seduzidas por sua compaixão, sua cumplicidade imediata com o mundo da rua. O "establishment", os políticos e os príncipes de semblante falso o apreciam bem menos. A princesa traz à tona a frieza deles.
Basta ver os gestos dela diante da avó bósnia a qual abraça, diante do jovem aidético cuja mão ela aperta longamente entre as suas, com a menina angolana de perna amputada que ela coloca no colo. "Sim, gosto de tocar as pessoas."
Seus gestos provocaram muitos franzires de sobrolhos na família real. O "estilo" Diana surpreendia, atrapalhava. Sobretudo quando ficou evidente que, além de transmitir uma imagem mais moderna, refletia um tipo diferente de relação com as pessoas.
A jovem princesa foi obrigada a frear seus impulsos, e chegou, um dia, a duvidar de seu papel. "Desde o dia em que entrei para essa família, nada mais podia ser feito naturalmente!"
Assim, foi o público que lhe deu confiança. Foram os excluídos que ela visitava que a convenceram que sua abordagem era correta, que ela possuía o dom do contato.
Há alguns valores dos quais a mãe do futuro rei não abre mão. É uma jovem mulher determinada quem fala. Uma princesa de 36 anos que ainda não sabe que rumo tomará sua vida pessoal, mas que pretende dar continuidade a seu engajamento. "Viver permanentemente sob o olhar do público me impõe uma responsabilidade toda especial. Especialmente a de causar impacto com fotos para transmitir uma mensagem, sensibilizar o mundo para uma causa importante." Embaixadora? Porta-voz de grande prestígio? "Se eu tivesse que definir meu papel, eu o descreveria de preferência como o de mensageira".
Mas quantas controvérsias, humilhações, discussões! Depois de uma visita a um centro de sem-teto ela é acusada de querer causar constrangimento ao governo conservador.
"A imprensa é feroz. Não perdoa nada, só dá destaque aos erros. Cada intenção é deturpada, cada gesto, criticado. Acho que no exterior é diferente. Sou recebida com gentileza, as pessoas me tomam pelo que sou. No Reino Unido, é o contrário. E acho que qualquer pessoa sã, em meu lugar, teria desistido faz tempo. Mas eu não posso. Tenho meus filhos."
O episódio mais marcante provavelmente foi sua viagem para Angola, no início do ano, com intuito de chamar atenção para o drama das vítimas de minas antipessoal e defender a campanha mundial visando sua proibição.
Assim, Diana foi vista passando horas ouvindo os depoimentos de jovens mutilados pelas minas, de médicos, de integrantes das equipes que desativam minas.
Mas foi Londres que desencadeou as manchetes, e foi a polêmica, mais uma vez, que tomou a dianteira. Os meios conservadores se agitaram. Para um deputado, sua intervenção foi "um canhão que enlouqueceu".
O governo se manteve oficialmente calado, mas seu mal-estar ficou evidente, tendo em vista sua obstinação em considerar um certo tipo de minas "eficaz, necessário a nossas Forças Armadas".
Diana não escondeu sua alegria diante da decisão imediata do governo trabalhista de convocar os países favoráveis à proibição total das minas. "Sua posição com relação a esse assunto sempre foi clara. Ele vai fazer um trabalho formidável. Seu antecessor era tão desesperador. Espero que consigamos convencer os EUA."
Trata-se de um engajamento de longo prazo. A princesa não faz "política", mas "humanitarismo".
Assim, não seria o incidente do "beijo no iate" que a faria desistir da viagem à Bósnia, em meados de agosto. A mensagem referente às minas perderia um pouco de sua força, mas Diana provaria que não se intimidava, que os paparazzi não governavam sua vida.
"Nada me traz mais felicidade do que procurar ajudar os mais vulneráveis da sociedade. Quem estiver sofrendo e me chamar, eu atenderei, seja onde for."


Tradução de Clara Allain



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