São Paulo, terça-feira, 01 de setembro de 2009

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Nos 70 anos de guerra, Rússia defende URSS

Moscou chama de "mentira cínica" conceito de que Stálin foi tão culpado por Segunda Guerra Mundial quanto Hitler

Putin participa hoje de eventos que marcam o aniversário da invasão da Polônia por nazistas após pacto germano-soviético


JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pouco antes das 5h daquele 1º de setembro de 1939, tropas alemãs, sob o comando do general Fedor von Bock, atravessaram a fronteira polonesa na direção de Danzig, atual Gdansk, encrave de cultura germânica no litoral báltico. Começava a Segunda Guerra Mundial, que terminaria em 1945 após a morte de 35 milhões de civis e 20 milhões de militares.
Os 70 anos do início da maior carnificina da história serão hoje lembrados de maneira ruidosa. Varsóvia quer que a Rússia se desculpe pelo Pacto de Não Agressão, firmado entre a União Soviética e a Alemanha nazista em 23 de agosto de 1939 e visto como um sinal verde para que Adolf Hitler anexasse a Polônia.
O primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, antecipou-se à cobrança e, em artigo publicado ontem pelo jornal polonês "Gazeta Wyborcza", admitiu que foi "imoral" o pacto inspirado pelo então ditador Joseph Stálin. Mas ao mesmo tempo criticou o "revisionismo histórico" que minimiza o papel do Exército Vermelho e o vê, retrospectivamente, só como instrumento de opressão.
Putin estará hoje em Gdansk em comemorações ao lado da chanceler alemã, Angela Merkel, e dos chefes das diplomacias da França e do Reino Unido. Não pedirá desculpas.
"Nossa tarefa é lutar contra os refrães de desconfiança e preconceito deixados pelo passado nas relações entre Rússia e Polônia", disse.
O presidente russo, Dmitri Medvedev, foi mais duro no domingo. Defendeu Stálin e qualificou de "cínica mentira" a tese de que o Kremlin, ao deixar os poloneses desprotegidos, favoreceu a agressão nazista.
Há em verdade três imagens contraditórias da Rússia envolvidas na controvérsia. É correto -como diz a atual propaganda do Kremlin- que Stálin sentiu-se isolado com os entendimentos entre Berlim, Paris, Londres e Roma, selados em 1938 em Munique e destinados a evitar a Segunda Guerra. Mas Putin e Medvedev omitem que em seguida franceses e britânicos alertaram que entrariam de imediato no conflito caso a Alemanha agredisse a Polônia, promessa cumprida.
No período 1930-1945, a então União Soviética foi uma potência tratada a leite e mel pelos demais aliados (os Estados Unidos entrariam na Guerra só em dezembro de 1941, quando atacados pelos japoneses no Havaí, em Pearl Harbour).
A segunda imagem da Rússia é a da Guerra Fria. O Exército Vermelho foi realmente opressor na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968), além de ter forçado a comunização do Leste Europeu, onde a ocupação nazista foi substituída pela ditadura comunista. É compreensível que Polônia, Ucrânia e países bálticos tenham fortes ressentimentos.
Há por fim a imagem pós-queda do Muro de Berlim. A redemocratização do Leste Europeu abriu espaço para a revisão de antigas mistificações históricas, mas com previsíveis aberrações, como a tese da direita lituana de que Hitler fez bem de proteger o pequeno país do comunismo.
As discussões são de qualquer modo apaixonadas. Durante a Segunda Guerra morreram 3 milhões na Polônia, além do grosso dos judeus sacrificados pelo Holocausto. Há também o massacre de 22 mil militares poloneses pelos russos, em 1940, em Katyn.
Moscou promete divulgar "documentos inéditos" sobre o papel da União Soviética no período. Os russos estão na defensiva. Em maio último foi anunciada a criação de uma comissão para "reconstituir a verdade histórica". Em lugar de historiadores, no entanto, ela é formada por quadros do FSB, o comitê de segurança interna, ex-KGB.


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