São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

Próximo Texto | Índice

Polarizada por questões étnicas, Bósnia vota hoje

População de sérvios, croatas e muçulmanos escolherá 3 presidentes e 42 deputados

Novo governo bósnio será o de maior autonomia desde o fim da guerra, em 1995; retórica exaltada preocupa comunidade internacional

Damir Sagolj - 29.set.2006/Reuters
Mulher passa por propaganda eleitoral em Mostar, Bósnia


MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DE LONDRES

Assim como o Brasil, a Bósnia-Herzegóvina, um dos países mais conturbados da Europa, realiza hoje suas eleições presidenciais e parlamentares.
As semelhanças, no entanto, vão pouco além disso. No país europeu o voto é opcional, os presidentes eleitos são três e os discursos de campanha passam longe da economia ou dos serviços públicos, sendo centrados em questões étnicas.
É justamente esta polarização das eleições em torno de temas nacionalistas relativos às três etnias que formam a Bósnia -sérvios, croatas e muçulmanos bósnios, conhecidos como bosniaks- que preocupa a comunidade internacional.
O medo é que o país retorne ao sangrento cenário de guerra de 11 anos atrás, que opôs sérvios a bosniaks e croatas e resultou na morte de mais de 100 mil pessoas.
"É um pesadelo", afirma Chris Bennett, diretor de comunicação do Escritório do Alto Representante (OHR, na sigla em inglês), o órgão internacional que recebeu poderes executivos da ONU para liderar a reconstrução das instituições políticas da Bósnia.
Com a saída do OHR prevista para junho de 2007, o governo bósnio que vai ser eleito hoje será o de maior autonomia desde o fim da guerra, em 1995, o que só aumenta a relevância do pleito.
"As eleições trazem à tona o que há de pior neste país, há muita retórica inflamada em torno de questões étnicas", disse Bennett, em entrevista à Folha, de Sarajevo.

Três presidentes
A estrutura política da Bósnia-Herzegóvina, quase incompreensível para um observador alheio, é resultado direto das disputas entre os três grupos étnicos na década passada (veja texto nesta página).
O país é divido em duas entidades políticas distintas, a Federação da Bósnia-Herzegóvina -habitada em sua maioria pelos bosniaks e pelos croatas- e a República Sérvia da Bósnia, dominada pelos sérvios.
O Poder Executivo central é comandado por uma Presidência tripartite, formada por um membro de cada etnia. Os três serão eleitos hoje para mandatos de quatro anos e se revezarão no poder a cada oito meses.
O atual líder das intenções de voto para presidente na parte sérvia do país, Milorad Dodik defendeu durante a campanha um plebiscito popular para definir a independência da República Sérvia, citando como exemplo a recente emancipação de Montenegro.
O favorito entre a população bosniak, Haris Silajdzic, afirmou em entrevista recente à revista "Time" que as fronteiras entre as duas entidades políticas, impostas no fim da guerra, deveriam ser apagadas porque "não são naturais, são baseadas no genocídio" praticado pelos sérvios contra os bosniaks.
Esse cenário de polarização étnica domina o debate eleitoral. Questões como a enorme pobreza do país e o índice de desemprego de 40% não parecem preocupar os eleitores tanto quanto os discursos nacionalistas.
"O passado difícil ainda está muito na mente das pessoas. Não há conversas ou propostas para unir o país, o ambiente é muito carregado", explica à Folha Urdur Gunnarsdottir, porta-voz do Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos, responsável por fiscalizar as eleições de hoje.

Entrada na UE
O complexo cenário político da Bósnia-Herzegóvina não impede que o diretor do OHR seja otimista quanto ao futuro do país.
"Passadas as eleições, é impressionante o quanto se progride. Há coalizões sendo construídas entre partidos multiétnicos, algumas legislações muito boas têm surgido sem que o OHR precise pressionar, em questões como defesa e impostos", afirma Bennett.
O principal desafio do futuro governo será fazer uma reforma constitucional que permita transformar a Bósnia-Herzegóvina em um Estado funcional na ausência do OHR, de modo a pleitear o desejado ingresso na União Européia (UE).
"A comissão que controla o processo de acesso à UE só aceita o ingresso do país quando os bósnios tiverem controle total", explica Bennett.
"Daí a importância desta eleição em particular, porque os eleitos terão a missão de levar adiante o processo de reformas necessário para que o país chegue ao ponto inicial para poder negociar sua entrada."


Próximo Texto: Saiba mais: Guerra teve limpeza étnica e 110 mil mortos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.