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Esquerda fecha ano governando 75% da AL
Estudo da Flacso leva em conta população regional e classifica presidentes eleitos nos últimos 12 meses em quatro correntes
Para cientista social, Lula e Bachelet são de centro-esquerda; já Morales,
Chávez e Ortega são "populistas de esquerda"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU
Após o intenso ciclo eleitoral
dos últimos 12 meses, a América Latina terminará 2006 com
67% de sua economia e 75% de
sua população sob governos de
esquerda. O cálculo é de Adrián
Bonilla, diretor da Flacso (Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais) no Equador.
Bonilla leva em conta, apenas
para facilitar os cálculos, que,
nas eleições ainda por se realizar, os vitoriosos serão ou o
candidato que ganhou o primeiro turno (Alvaro Noboa, no
Equador) ou os que lideram as
pesquisas (Hugo Chávez, na
Venezuela, e Daniel Ortega, da
Frente Sandinista de Libertação Nacional, na Nicarágua).
Fazendo uma sintonia mais
fina, o especialista da respeitada Flacso dá a seguinte tabela
para o desenlace das dez eleições desde o fim do ano passado até dezembro próximo:
1 - Dois presidentes de centro-direita: Felipe Calderón
(México) e Oscar Arias (Costa
Rica).
2 - Dois presidentes de centro-esquerda: Luiz Inácio Lula
da Silva (Brasil) e Michelle Bachelet (Chile).
3 - Três populistas de esquerda: Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez e Daniel Ortega.
4 - Três populistas de direita:
Álvaro Uribe (Colômbia), o
equatoriano Noboa e Alan García (Peru).
Bonilla admite que a classificação é imperfeita, citando o
caso de Oscar Arias, que pertence a um partido (o PLN, Partido de Liberação Nacional)
que é historicamente membro
da Internacional Socialista, o
que o colocaria numa posição
de centro-esquerda.
Também questionável é localizar Lula no centro-esquerda.
A direita, pela voz de Olavo Setúbal, já definiu Lula como
"conservador", portanto de direita ou centro-direita. Vários
intelectuais de esquerda, em
especial Francisco de Oliveira,
fundador do PT e depois do
PSOL, também dizem que Lula
deixou de ser de esquerda, se
alguma vez o foi.
Os números de Bonilla foram
apresentados ontem no Fórum
Euro-Latino-Americano de
Jornalismo, que se realiza habitualmente às vésperas das Cúpulas Iberoamericanas (a deste
ano começa sexta-feira).
Divergências conceituais à
parte, parece claro que os números da Flacso reforçam a impressão de um crescimento do
populismo no subcontinente,
tese recorrente na mídia, em
especial dos países ricos. Afinal,
seis dos dez eleitos ou favoritos
são populistas de direita ou de
esquerda. Bonilla apressou-se a
admitir que "populismo é uma
categoria sempre em debate".
Mas apresentou três características, geralmente aceitas, para caracterizar líderes populistas, a saber:
1 - Usam "um discurso de
ruptura com a elite política anterior" e também um discurso
"anti-sistema".
2 - O colapso dos partidos políticos tradicionais dá margem
à emergência de caudilhos, de
lideranças pessoais à margem
dos partidos.
Bonilla diz que, "o sistema de
partidos se encontra assediado
em alguns países e, em outros,
francamente dissolvido". Vale
para Bolívia, Equador, Venezuela, mas não vale para Chile,
México e mesmo Brasil.
3 - Há um apelo direto à população, passando por cima da
mediação que, teoricamente, os
partidos deveriam fazer entre o
Estado e a sociedade.
O candidato Lula até ensaiou
adotar os pontos 1 e 3, mas, no
governo propriamente dito, jamais rompeu com a política
econômica anterior nem deixou de se socorrer dos partidos
para aprovar ou tentar aprovar
seus projetos no Congresso.
O ex-presidente uruguaio
Júlio María Sanguinetti (Partido Colorado, também teoricamente social-democrata) descaracterizou a rotulação convencional de esquerda/direita.
Citou o caso da dívida externa:
"Antes, a esquerda falava em
não pagar; hoje, fala em pagar o
quanto antes, para ficar livre do
Fundo Monetário Internacional" (como ocorreu no Brasil de
Lula e como o Uruguai, também governado pela centro-esquerda, se prepara para fazer).
Sanguinetti disse ainda que
"a liquidez financeira internacional é a maternidade do populismo", na medida em que a
folga de recursos globais flui
para os países em desenvolvimento e permite financiar programas que ele considera populistas, por serem de "escassa racionalidade econômica".
O ponto mais pacífico do debate foi o fato de que a seqüência de eleições com poucos sobressaltos neste ano significa
que "a América Latina já deu o
grande salto: optou definitivamente pela democracia", como
afirmou outro ex-presidente
(Jaime Paz Zamora, da Bolívia).
O jornalista CLÓVIS ROSSI viajou a convite da
Corporação Andina de Fomento, da Associação
de Jornalistas Europeus e da Fundação Novo
Jornalismo Iberoamericano, organizadores do
seminário
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