São Paulo, quarta-feira, 01 de novembro de 2006

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Esquerda fecha ano governando 75% da AL

Estudo da Flacso leva em conta população regional e classifica presidentes eleitos nos últimos 12 meses em quatro correntes

Para cientista social, Lula e Bachelet são de centro-esquerda; já Morales, Chávez e Ortega são "populistas de esquerda"


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTEVIDÉU

Após o intenso ciclo eleitoral dos últimos 12 meses, a América Latina terminará 2006 com 67% de sua economia e 75% de sua população sob governos de esquerda. O cálculo é de Adrián Bonilla, diretor da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) no Equador.
Bonilla leva em conta, apenas para facilitar os cálculos, que, nas eleições ainda por se realizar, os vitoriosos serão ou o candidato que ganhou o primeiro turno (Alvaro Noboa, no Equador) ou os que lideram as pesquisas (Hugo Chávez, na Venezuela, e Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, na Nicarágua).
Fazendo uma sintonia mais fina, o especialista da respeitada Flacso dá a seguinte tabela para o desenlace das dez eleições desde o fim do ano passado até dezembro próximo:
1 - Dois presidentes de centro-direita: Felipe Calderón (México) e Oscar Arias (Costa Rica).
2 - Dois presidentes de centro-esquerda: Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Michelle Bachelet (Chile).
3 - Três populistas de esquerda: Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez e Daniel Ortega.
4 - Três populistas de direita: Álvaro Uribe (Colômbia), o equatoriano Noboa e Alan García (Peru). Bonilla admite que a classificação é imperfeita, citando o caso de Oscar Arias, que pertence a um partido (o PLN, Partido de Liberação Nacional) que é historicamente membro da Internacional Socialista, o que o colocaria numa posição de centro-esquerda.
Também questionável é localizar Lula no centro-esquerda. A direita, pela voz de Olavo Setúbal, já definiu Lula como "conservador", portanto de direita ou centro-direita. Vários intelectuais de esquerda, em especial Francisco de Oliveira, fundador do PT e depois do PSOL, também dizem que Lula deixou de ser de esquerda, se alguma vez o foi.
Os números de Bonilla foram apresentados ontem no Fórum Euro-Latino-Americano de Jornalismo, que se realiza habitualmente às vésperas das Cúpulas Iberoamericanas (a deste ano começa sexta-feira).
Divergências conceituais à parte, parece claro que os números da Flacso reforçam a impressão de um crescimento do populismo no subcontinente, tese recorrente na mídia, em especial dos países ricos. Afinal, seis dos dez eleitos ou favoritos são populistas de direita ou de esquerda. Bonilla apressou-se a admitir que "populismo é uma categoria sempre em debate".
Mas apresentou três características, geralmente aceitas, para caracterizar líderes populistas, a saber:
1 - Usam "um discurso de ruptura com a elite política anterior" e também um discurso "anti-sistema".
2 - O colapso dos partidos políticos tradicionais dá margem à emergência de caudilhos, de lideranças pessoais à margem dos partidos.
Bonilla diz que, "o sistema de partidos se encontra assediado em alguns países e, em outros, francamente dissolvido". Vale para Bolívia, Equador, Venezuela, mas não vale para Chile, México e mesmo Brasil.
3 - Há um apelo direto à população, passando por cima da mediação que, teoricamente, os partidos deveriam fazer entre o Estado e a sociedade.
O candidato Lula até ensaiou adotar os pontos 1 e 3, mas, no governo propriamente dito, jamais rompeu com a política econômica anterior nem deixou de se socorrer dos partidos para aprovar ou tentar aprovar seus projetos no Congresso.
O ex-presidente uruguaio Júlio María Sanguinetti (Partido Colorado, também teoricamente social-democrata) descaracterizou a rotulação convencional de esquerda/direita. Citou o caso da dívida externa: "Antes, a esquerda falava em não pagar; hoje, fala em pagar o quanto antes, para ficar livre do Fundo Monetário Internacional" (como ocorreu no Brasil de Lula e como o Uruguai, também governado pela centro-esquerda, se prepara para fazer).
Sanguinetti disse ainda que "a liquidez financeira internacional é a maternidade do populismo", na medida em que a folga de recursos globais flui para os países em desenvolvimento e permite financiar programas que ele considera populistas, por serem de "escassa racionalidade econômica". O ponto mais pacífico do debate foi o fato de que a seqüência de eleições com poucos sobressaltos neste ano significa que "a América Latina já deu o grande salto: optou definitivamente pela democracia", como afirmou outro ex-presidente (Jaime Paz Zamora, da Bolívia).


O jornalista CLÓVIS ROSSI viajou a convite da Corporação Andina de Fomento, da Associação de Jornalistas Europeus e da Fundação Novo Jornalismo Iberoamericano, organizadores do seminário

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