São Paulo, domingo, 01 de novembro de 2009

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Confronto pós-pleito de junho segue latente no Irã

Recondução de Ahmadinejad acirrou duelo entre conservadores e liberais

Cinco meses após eleição, país vive ambiente de "tensa calma"; governistas apoiam repressão a reformistas, que exigem maiores liberdades


Hasan Sarbakhsian-27.mar.09/Associated Press
Jovens iranianos com estilo ocidentalizado tiram fotografias em bairro de classe média alta situado no norte da capital, Teerã

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

A tempestade política que assolou o Irã após a controversa reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em junho, arrefeceu. Mas o país ainda ostenta as marcas de uma crise que polarizou a sociedade e ameaça ressurgir com força a qualquer momento.
Para além do embate sobre as acusações de fraude no pleito vencido por Ahmadinejad contra o reformista Mir Hossein Mousavi, a fratura gira em torno do rígido sistema de leis e valores que rege a vida dos 66 milhões de iranianos desde a Revolução Islâmica de 1979.
De um lado, uma parcela da população, essencialmente urbana e de classe média, que se sente sufocada por um regime visto como incompetente e inimigo das liberdades.
Do outro, um meio predominantemente rural e popular, apegado a valores tradicionais e que apoia os esforços do governo para silenciar uma oposição tida como ameaça às fundações do Estado teocrático.
Em meio à crescente dificuldade de jornalistas estrangeiros obterem vistos para o Irã, a Folha entrou no país aproveitando convite do governo para participar da 16ª Feira Internacional de Mídia de Teerã, que durou de 20 a 27 de outubro.
O repórter teve de ficar num estande de divulgação promocional durante boa parte do dia. Fora de horário comercial, a Folha contornou o rígido cerco imposto pelo governo aos visitantes e circulou por vários setores de Teerã, conversando com iranianos de todas as tendências políticas. À primeira vista, o clima voltou à normalidade depois que o líder supremo Ali Khamenei, mesmo reconhecendo algumas irregularidades, avalizou a reeleição de Ahmadinejad.
As ruas e praças de Teerã estão cheias de gente, sem nenhum sinal de reforço no policiamento. O governo levantou as restrições a celulares e à internet, consulados de países ocidentais reabriram, e há turistas em vários lugares. Mas a tranquilidade esconde uma tensão latente. Mais de cem oposicionistas detidos durante os protestos pós-eleitorais continuam presos. Vários muros de Teerã ostentam marcas da tinta fresca usada pelas autoridades para cobrir insistentes pichações com mensagens antigoverno.
Boa parte da tensão se concentra nas universidades, palco de frágil convívio entre jovens liberais e conservadores. Para evitar conflitos, Ahmadinejad cancelou, pela primeira vez desde que assumiu o poder, em 2005, seu tradicional discurso de início das aulas na Universidade de Teerã, em setembro.
O Instituto Iraniano de Estudos Antropológicos e Culturais anunciou alterações no ensino universitário para torná-lo "mais conforme à cultura islamo-iraniana" e evitar que o modelo ocidental semeie "dúvida em relação ao islã". A Folha ouviu relatos de amizades rompidas e famílias dilaceradas pela política.

Pancadaria
O clima explosivo que o país vive ficou evidente em um incidente na feira de mídia. O clérigo reformista Mehdi Karoubi, quarto colocado na eleição presidencial, apareceu de surpresa no terceiro dia do até então sonolento evento, incendiando os ânimos no gigantesco pavilhão de exposições Mussalat Imã Khomeini.
Em alguns segundos, Karoubi foi cercado por dezenas de simpatizantes que gritavam "abaixo o ditador [Ahmadinejad]", enquanto governistas tentavam agredir o clérigo a socos e jogando objetos.
Espremido no violento empurra-empurra que danificou estandes, o repórter viu várias pessoas arregaçando as mangas para deixar à mostra pulseiras verdes -cor-símbolo da oposição- até então escondidas.
A Folha também flagrou no meio da multidão policiais à paisana usando telefones celulares para tirar fotos dos rostos dos militantes pró-Karoubi. Para Mehdi N., 30, funcionário da mídia estatal, a ida de Karoubi à feira foi uma provocação. "A oposição não aceita o resultado da eleição", diz.
"Estão sendo manipulados por americanos e britânicos para que deixemos de ser um país muçulmano e voltemos a ser marionete do Ocidente, como nos tempos do xá [Reza Pahlevi, 1953-1979]", acrescenta. A estudante Azam N., 27, pró-Mousavi, nega ingerência estrangeira e diz que o problema não é o islã. "Ahmadinejad e sua turma usam a religião como instrumento de poder, isso é contra o islã", afirma, criticando o desemprego de ao menos 12,5% e a inflação.
Ela reconhece que, mesmo sem fraude, Mousavi talvez não conseguisse votos suficientes para se eleger. "Pior do que o resultado em si é a repressão.
Só queremos viver sem medo." A maioria dos simpatizantes oposicionistas ouvidos pela Folha afirma que continuará buscando maneiras de pressionar o regime a se abrir, enquanto a maior parte dos defensores do governo promete resistir a um movimento considerado anti-islâmico.

O jornalista SAMY ADGHIRNI viajou a convite do governo do Irã



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