São Paulo, sexta-feira, 02 de janeiro de 2009

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Na Cisjordânia, ofensiva em Gaza não altera rotina

ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH

Nada poderia simbolizar melhor a divisão palestina do que o frenético movimento no comércio e nos cafés de Ramallah na tarde de ontem. Enquanto Israel concluía o sexto dia da maior ofensiva aérea já lançada contra alvos palestinos, as estreitas ruas da capital política e administrativa da Autoridade Nacional Palestina (ANP) pareciam um formigueiro humano, com famílias inteiras abarrotadas de compras e uma sensação de rotina no ar.
As ruas limpas e o trânsito bem organizado pela polícia leal ao presidente da ANP, Mahmoud Abbas, contrastam com as cenas de destruição e caos de Gaza, que estão nas TVs de todos os cafés de Ramallah. Não há indiferença, mesmo porque muitos dos 25 mil moradores da cidade têm parentes em Gaza. Mas a impressão é de que o divórcio entre as duas metades da Palestina já foi absorvido como parte da vida.
"É muito triste ver que o mundo mais uma vez ignora a brutalidade israelense contra os palestinos", diz o arquiteto Ahmed Soltani, enquanto acompanha o noticiário da TV Al Jazeera numa tabacaria no centro da cidade. "Mas também não da para entender o que o Hamas esperava disparando mísseis contra Israel."
Centenas de membros do Fatah, movimento liderado por Abbas, buscaram refúgio em cidades da Cisjordânia como Ramallah, depois que foram expulsos pelo Hamas em junho de 2007, quando os dois grupos travaram uma miniguerra civil em Gaza. Foi o violento desfecho do curto governo de união nacional que tentou em vão conciliar a agenda nacionalista do Fatah com o fundamentalismo islâmico do Hamas.
Com o apoio de Israel, dos Estados Unidos e da União Européia, Abbas nomeou um novo governo, para substituir o do Hamas, eleito democraticamente em 2006. O resultado do suporte político e financeiro é visível nas ruas de Ramallah, onde a economia floresce e a ordem é mantida por policiais bem equipados.
Mas a calma é aparente. Apesar da aliança entre Israel e a ANP, na Cisjordânia há mais de 700 bloqueios militares, que transformam a rotina dos palestinos numa sofrida e demorada corrida de obstáculos.
Além disso, a divisão entre as facções se estende à população. Muitos consideram uma tragédia para a luta palestina por um Estado independente que a derrota do Hamas possa significar uma vitória para o Fatah.
"Abbas esta numa situação extremamente delicada. Sabe que não pode herdar o poder do inimigo", diz Hisham Al Daghma, assessor da representação japonesa em Ramallah. "A destruição em Gaza vai aumentar o ódio a Israel e a todos que forem associados a ele."
"O crescimento do Hamas só aconteceu por falta de liderança e corrupção no Fatah", diz Saed, estudante de jornalismo que ontem visitou o túmulo de Iasser Arafat, líder histórico do Fatah. "Pelo visto, infelizmente vamos ter que esperar outra geração de líderes para fundar o nosso Estado". (MARCELO NINIO)


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