São Paulo, sábado, 02 de janeiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Egito faz muro subterrâneo na divisa de Gaza

Projetada por engenheiros do Exército dos EUA, construção prevê barreira de aço reforçado resistente a explosões

Inicialmente negado pelo governo egípcio, plano visa coibir fluxo pelos túneis para o território palestino controlado pelo Hamas

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL AO CAIRO

Depois de inicialmente negar o projeto, temendo reações adversas do mundo árabe, o Egito confirmou que está construindo uma muralha subterrânea na fronteira com a faixa de Gaza para interromper o contrabando que escoa pelos inúmeros túneis que abastecem o isolado território palestino.
Um ano após a ofensiva israelense contra o grupo extremista Hamas em Gaza, a iniciativa expõe um dos principais dilemas que encurralam o governo egípcio. De um lado, o compromisso de solidariedade com os palestinos; de outro, a preocupação com a segurança na fronteira e a pressão americana para asfixiar o Hamas.
Cercada de sigilo, a construção prevê uma barreira subterrânea de aço reforçado para resistir a explosões. A imprensa especula que ela pode chegar a 20 metros de profundidade, cobrindo toda a extensão da fronteira egípcia com Gaza, sob uma superfície de 14 km.
Projetada pelo corpo de engenharia do Exército americano, segundo a rede BBC, a barreira de aço incluiria um sistema de canos com água destinados a inundar os túneis ilegais.
Assim que o projeto foi revelado, os líderes do Hamas reagiram com indignação e ameaças. Sob bloqueio israelense desde que passou a controlar Gaza, há três anos, o grupo islâmico transformou a rede de túneis na divisa com o Egito em canal vital de ligação econômica e sua principal fonte de renda.
Antes dos ataques israelenses, havia algo entre 1.500 e 3.000 dessas passagens, compondo uma indústria tão lucrativa que o Hamas estuda criar um Ministério dos Túneis, para regular as exportações ilegais e a cobrar impostos.
Após a ofensiva de Israel, que destruiu boa parte deles, o número de túneis caiu para menos de 200. Mesmo assim, continuaram a ser o único elo de Gaza com o comércio exterior.
De combustíveis a carros, passando por todo tipo de maquinário, bens de consumo e, de acordo com Israel, armas e drogas, é através dos túneis que o Hamas abastece a população com produtos que não chegam por meio da ajuda humanitária e respira economicamente.
Num discurso que marcou o início dos ataques israelenses, no último domingo, um dos principais líderes do Hamas em Gaza, Ismail Haniyeh, fez um apelo dramático ao presidente egípcio, Hosni Mubarak, para que desistisse de construir a muralha subterrânea.
"Não estamos ameaçando a segurança do Egito, nem interferindo nos assuntos do Egito, mas fomos forçados a usar os túneis como opção excepcional", disse Haniyeh, que ocupava o cargo de primeiro-ministro antes da cisão entre Hamas e o Fatah, as duas principais facções palestinas, em 2007.
Para o Egito, no entanto, que foi criticado por países árabes durante os ataques israelenses por manter a sua fronteira com Gaza fechada, voltando a atrair as eternas acusações de cumplicidade com Israel, os túneis são uma ameaça à segurança.
"O problema não é apenas o contrabando, algo que país nenhum tolera, e o que entra em Gaza", disse à Folha um membro do governo egípcio, pedindo que não fosse identificado. "É também o que e quem sai".
Ele lembra casos nos últimos anos de militantes do Hamas que escaparam pelos túneis para a península do Sinai.
Mas a asfixia do fluxo comercial subterrâneo também terá consequências econômicas negativas do lado egípcio. De acordo com um cálculo feito pelo jornal egípcio "Al-Youm al-Sabe", a indústria dos túneis já gerou quase US$ 1 bilhão para os residentes na região da fronteira, a maioria beduínos, envolvidos direta ou indiretamente no contrabando.
Uma hipótese estudada pelo Cairo para aliviar esse impacto seria a abertura de sua fronteira com Gaza para passagem de pessoas e mercadorias, algo a que o governo Mubarak tem resistido devido às suas divergências com o Hamas.
A saída econômica, portanto, depende de uma solução para o dilema político. "O Egito caminha numa corda bamba entre seu compromisso com os árabes e a causa palestina e a responsabilidade de manter a segurança internacional", diz Gamal Soltan, analista político do Centro Al-Ahram, no Cairo.


Com agências internacionais


Texto Anterior: Clóvis Rossi: Sobre verdades e venenos
Próximo Texto: Projeto é parte do jogo de pressão ao Hamas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.