São Paulo, domingo, 02 de janeiro de 2011

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Gaza vive processo de "talebanização"

Grupo radical islâmico Hamas, que administra território, patrulha fumo, vestimentas e casais que passeiam

Controle é facilitado pelo fato de Gaza ser comparada a "prisão", em razão do bloqueio imposto por israelenses

Said Khatib-19.set.2009/France Presse
Duas mulheres cobertas como véu islâmico caminham pela cidade de Khan Younis, localizada no sul da faixa de Gaza

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GAZA

Na única loja de souvenirs da faixa de Gaza, à espera de turistas que nunca chegam, uma caneca estampa com humor negro a frase que resume o sentimento geral: "Sorria, você está na maior prisão do mundo".
O bloqueio imposto por Israel há quatro anos, em resposta ao controle do território pelo grupo islâmico Hamas, é responsável pelo slogan que está na ponta da língua dos moradores.
Mas, nos últimos tempos, a angústia causada pelo sítio externo tem sido amplificada pelo cerco aplicado internamente pelo Hamas. Tolerância mínima com manifestações de oposição e reforço do regime islâmico dão o tom.
Grupos de direitos humanos em Gaza citam alguns passos recentes nessa direção. Entre eles, a obrigação do uso do véu para advogadas em tribunais, a proibição ao fumo de narguilé (cachimbo árabe) para mulheres em lugares públicos e o veto a manequins com decotes em lojas de moda feminina.
"Estamos vivendo uma lenta talebanização", lamenta Khalil Shahin, diretor do Centro Palestino de Direitos Humanos de Gaza, em referência ao movimento fundamentalista afegão. "A estratégia é fazer passo a passo, para não chamar a atenção".
Sob intensa pressão das ONGs, algumas das normas acabaram revogadas, como a proibição do narguilé e a imposição do véu nos tribunais.
Foi uma rara demonstração de força da sociedade civil, mas também indicação de uma disputa nos altos escalões do Hamas em torno do caráter do regime.
De um lado, a linha-dura que empurra para "talebanização" e a imposição de uma teocracia em Gaza.
De outro, uma ala moderada que defende o modelo de democracia islâmica inspirado no governo do premiê Recep Erdogan, na Turquia.

DUPLA OCUPAÇÃO
É o que se conversa em voz baixa nos cafés de Gaza e na intimidade dos lares -enquanto no dia a dia a islamização do território já é, para muitos, fato consumado.
Como a estudante Ebaa Rezeq, 20, das raras mulheres de Gaza que circulam com a cabeça descoberta. Ela conta que é comum ouvir insultos por não usar o hijab, o tradicional véu islâmico. Já levou uma cusparada.
"Vivemos uma dupla ocupação. De Israel e do Hamas", diz Ebaa. Para ela, que nunca saiu de Gaza, a sensação de claustrofobia causada pelo bloqueio israelense tornou-se insuportável com a intolerância islâmica.
Cinemas, teatros e danceterias são um sonho distante para os jovens de Gaza. Festas em locais públicos foram vetadas pelo governo. Em setembro, um parque de diversões foi incendiado por militantes ligados ao Hamas.
Grupos ainda mais radicais, conhecidos como salafistas, aterrorizam os que ousam desafiar os ditames islâmicos. Depois que homens foram proibidos pelo Hamas de cortar o cabelo de mulheres, uma bomba explodiu há alguns meses num dos poucos cabeleireiros mistos.

PROPAGANDA
Sem liberdade de movimentos devido ao bloqueio israelense, a população sofre com a restrição ao movimento de ideias.
Casais que circulam em público são assediados pela segurança interna, que funciona como polícia moral.
"A pressão é enorme. O único namoro que tive na vida foi todo pela internet e pelo telefone", diz a universitária Yara Shahin, 19, que não é religiosa, mas usa o véu para evitar problemas.
O Hamas nega que esteja apertando o cerco religioso, mas admite que age contra membros do Fatah, facção palestina rival que acusa de espionar para Israel.
"Não somos como o Taleban. Acreditamos na democracia", diz o porta-voz do movimento, Fawzi Barhoum.
"Nossos inimigos querem destruir nossa reputação e fabricam propaganda."
Não faltam relatos que contestam o suposto espírito democrático do Hamas. Há um mês, Mostafa Alghoul, 25, foi detido junto com outros 12 estudantes num protesto contra o fechamento de uma das poucas organizações que realizam atividades juvenis em Gaza.

FOLHA.com
Para israelenses na fronteira, haverá guerra
folha.com.br/mu853103


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