São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Dois homens-bomba atacaram as sedes dos dois principais partidos do Curdistão durante festa muçulmana

Atentados matam 57 curdos iraquianos

DA REDAÇÃO

Ataques suicidas destruíram ontem as instalações dos dois principais partidos curdos na cidade de Arbil, capital administrativa do Curdistão iraquiano, matando pelo menos 57 pessoas e ferindo outras 235.
Foi o mais sangrento atentado no Iraque desde que, a 29 de agosto último, explosivos detonados na entrada de uma mesquita em Najaf mataram ao menos 80 pessoas, entre elas o líder espiritual xiita Mohammed al Hakim.
Apesar de o Iraque ser alvo constante de ataques com carros-bomba, a ação conjunta de ontem foi a primeira vez no país que terroristas carregaram consigo os explosivos, escondidos debaixo das roupas. Arbil fica a 320 km ao norte de Bagdá.
O ato não foi reivindicado -líderes curdos, todos próximos dos Estados Unidos, atribuíram a ação a extremistas islâmicos do Ansar al Islam, grupo que teria elo com a rede terrorista Al Qaeda.
Os curdos pretendem manter ou mesmo ampliar a autonomia que conquistaram em 1992 na região rica em petróleo na qual têm hegemonia demográfica e cultural. Isso gera tensões com os árabes sunitas, que têm sucessivamente governado a Mesopotâmia, e com a maioria xiita.
As explosões em Arbil coincidiram com o início do feriado religioso de quatro dias, o Eid al Adha (cerimônia do sacrifício). Dirigentes curdos do KDP (Partido Democrático do Curdistão), de Massoud Barzani, e da KUP (União Patriótica do Curdistão), liderada por Jalal Talabani, recebiam centenas de convidados nas sedes de suas agremiações.
Os dois partidos têm milícias próprias, que ontem no entanto não revistavam os visitantes, em razão da motivação religiosa das visitas, que são sempre numerosas durante essas festividades.

Líderes mortos
Entre os mortos de Arbil estão o governador do Curdistão, Akram Mintik, o vice-governador, Mehdi Khoshnau, o vice-primeiro-ministro, Sami Abdul Rahman, o ministro da Agricultura e outros responsáveis de primeiro e segundo escalões partidários.
A morte em grande número de dirigentes não deverá deixar os curdos acéfalos ou em crise de liderança, disse à Associated Press o cientista político Patrick Clawson, vice-diretor do Instituto de Política do Oriente Médio, baseado em Washington. "Eles têm quadros para manter um governo autônomo", disse Clawson.
Por sua vez, Jonathan Schanzer, especialista em terrorismo naquele instituto, afirmou que os atentados de ontem têm o perfil do grupo Ansar al Islam, mas podem ter sido praticado por árabes de outros países ou por árabes das regiões centrais do Iraque.
A seu ver, os autores do atentado procuram afastar os curdos dos árabes, que dentro do Iraque são seus vizinhos imediatos ao sul, e reforçar a idéia de que os curdos têm planos separatistas, o que dificultaria qualquer composição interna entre as etnias e grupos religiosos no país.
Na sede do KDP restos de cadáveres e manchas de sangue nas paredes semidestruídas davam, segundo a Associated Press, uma dimensão clara dos efeitos dos explosivos. Uma cabeça decapitada no chão de cerâmica era, segundo a polícia, a do terrorista suicida.
O comando das forças de ocupação americana no Iraque disse em Bagdá que o número de mortos era de 56. Mas o médico que chefia o Instituto de Medicina Legal de Arbil disse ter recebido 57 cadáveres.
Nos hospitais da cidade deram entrada pelo menos 235 feridos. Um ministro curdo não identificado pelas agências internacionais disse que os mortos seriam 80 na sede do KDP e 60 na sede da KUP -estimativa que não foi confirmada.

Estado de emergência
Os militares americanos decretaram estado de emergência no Curdistão iraquiano. A região, do tamanho aproximado da Suíça, tem administração autônoma desde 1992, quando resolução da ONU a definiu como zona de exclusão aérea e militar ao governo central do Iraque, então chefiado por Saddam Hussein.
Nos anos 80 uma parte dos curdos, ala ligada ao KDP, aliou-se ao Irã na guerra contra o Iraque. A KUP foi mais cautelosa e procurou se colocar como interlocutora regional de Saddam.
O genocídio com armas químicas, praticado por Saddam contra populações civis curdas, foi noticiado no Iraque como uma operação "contra inimigos".
Em visita a Bagdá, o subsecretário da Defesa dos EUA, Paul Wolfowitz, criticou duramente os autores do atentado de Arbil.
O fato de escolherem um feriado islâmico para atingir suas vítimas demonstra, segundo Wolfowitz, que os terroristas "não atuam em nome do islã, mas sim em nome de sua visão fanática e irresponsável do mundo". Mesmo assim, acrescentou, "eles estão perdendo, porque somos nós que estamos ganhando".
Ainda ontem oficiais dos serviços de inteligência disseram que persistem em Bagdá 14 células de partidários de Saddam, com 250 a 300 terroristas que estariam dispostos a tudo para desestabilizar a ocupação norte-americana.


Com agências internacionais


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