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"Chávez reverte os próprios avanços"
Projetos sociais e democracia participativa da Constituição de 99 perdem com centralização, diz historiadora venezuelana
Para Margarita López Maya, a partir de sua reeleição, em 2006, venezuelano levou modelo antes inovador para perto do socialismo real
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
De um movimento que impulsionava a democracia participativa e programas sociais
criativos para um projeto autoritário e centralizador em torno do presidente. Em linhas gerais, é assim que a historiadora
Margarita López Maya divide
os dez anos de Hugo Chávez à
frente da Venezuela, comemorados hoje inclusive com um
decreto de feriado nacional.
Professora da Universidade
Central da Venezuela (UCV),
López Maya afirma que, após a
reeleição de dezembro de
2006, Chávez embarcou seu
governo no "socialismo do século 21", no qual, segundo ela,
inexistem fronteiras entre Estado, governo e partido e há o
enfraquecimento do princípio
da alternância, numa fórmula
parecida ao estilo soviético.
Leia a entrevista à Folha:
FOLHA - Após dez anos, o país está
melhor ou pior do que quando Chávez assumiu a Presidência?
MARGARITA LÓPEZ MAYA - Há uma
grande diferença entre o primeiro e o segundo governo de
Chávez. Quando se faz um balanço dos dez anos, se confunde
uma coisa com a outra. Houve
avanços importantes para a sociedade venezuelana graças ao
primeiro governo do presidente Chávez. Mas, neste segundo,
vivemos um retrocesso.
Os fatos mais positivos estão
no primeiro governo. Não se
pode esquecer a Constituição
de 1999. Foi uma contribuição
importantíssima do movimento bolivariano liderado por
Chávez. A Constituição assentou princípios de democracia
participativa, da descentralização, ambas lutas dos anos 1980
da sociedade venezuelana.
Outro passo adiante foi a
criação de fórmulas para enfrentar as políticas sociais de
maneira criativa, que superasse
os graves problemas de exclusão social dos venezuelanos. No
final do século 20, metade das
famílias venezuelanas era pobre, e 20% estavam na pobreza
extrema. Destaco o programa
de alfabetização e o programa
de atenção à saúde preventiva
nas favelas. Depois, estão as
inovações participativas para
melhorar os serviços públicos,
como as mesas técnicas de água
ou os comitês de terra para regularizar terrenos urbanos.
Isso tudo começa a se perder
no segundo governo. O socialismo é um outro projeto, que
desmantela a descentralização
e reduz as inovações participativas para se centrar num conceito de conselho comunitário
muito parecido com o dos comitês de base dos partidos dos
governos socialistas do século
20, em que não há uma diferenciação entre o governo, o partido e o Estado. As outras formas
de organização popular estão
sendo debilitadas, foram retirados o financiamento e o
apoio técnico. Tudo agora vai
para o conselho comunitário.
FOLHA - A violência na Venezuela
não para de crescer e já é a principal
preocupação da população. Como
explicar uma deterioração tão rápida num momento em que os índices
sociais oficiais melhoram?
LÓPEZ - Esse aumento da violência não é abrupto, os índices
começaram a subir depois do
Caracazo, em 1989 [onda de
manifestações contra aumento
do transporte público que deixou centenas de mortos].
Isso é prova suficiente de que
a pobreza não é o único elemento que produz violência. O
quadro é muito mais complexo.
Hoje, a impunidade e a falta de
um Poder Judiciário são avassaladores. Outro fator é a incapacidade total de criar corpos
de segurança para um regime
democrático. Chávez herdou
esse problema e, nesses dez
anos, o piorou por causa da polarização [política]. Outro componente é o discurso violento
das elites no poder, o discurso
da confrontação.
FOLHA - Os próprios chavistas têm
dificuldades em definir o "socialismo do século 21". A senhora consegue explicá-lo?
LÓPEZ - Nós fizemos um seminário na UCV para jogar luzes
sobre o que é o socialismo do
século 21. Ninguém sabia. Agora, o que me parece claro é que
não se trata da consolidação da
democracia participativa vendida no primeiro governo do
presidente. Para mim, o desenvolvimento dos últimos dois
anos se assemelha mais ao socialismo do século 20.
E de uma forma personalista
ao estilo cubano, de Fidel Castro. Talvez até mais do que Fidel -o presidente da Venezuela tem uma concentração de
poderes impressionante. Fidel
também era um caudilho,
[mas] tinha pessoas que não estavam exatamente subordinadas a ele, como está a camarilha
de Chávez. Porque realmente a
maioria que rodeia o presidente é medíocre. Essa ideia de que
o Estado é o mesmo que o governo, que o governo é o mesmo que o partido, isso é socialismo autoritário.
O que há de novo no socialismo do século 21? Talvez o fato
de que continuam utilizando o
mecanismo do sufrágio universal por meio de uma espécie de
democracia plebiscitária para
respaldar as ações do governo.
Mas o que está surgindo é um
Estado autoritário.
FOLHA - O próprio Chávez já disse
que, se morrer, não há mais revolução. Trata-se de um líder insubstituível ou ou é ele quem não permite
outras lideranças?
LÓPEZ - São as duas coisas. Sua
liderança é excepcionalmente
forte dentro de um movimento
muito heterogêneo. Isso é desde a campanha de 1998. Não era
um partido político, não era um
movimento com bases firmes,
era um movimento eleitoral
que aglutinou gente de todos os
caminhos ideológicos, inclusive da direita. A liderança de
Chávez era imprescindível porque ele era o mediador.
Ao mesmo tempo, a reafirmação dessa liderança asfixia a
possibilidade de substituição.
Está claro que o presidente está
destruindo substitutos dentro
do bolivarianismo - ou, melhor dizendo, do chavismo. Se
alguém levanta a cabeça, Chávez quer destruí-lo.
FOLHA - Qual é a sua posição sobre
o referendo do dia 15 [que põe fim
ao limite de dois mandatos]?
LÓPEZ - Para a Venezuela, a
reeleição indefinida tem precedentes nefastos. A Venezuela é
um país com cultura autoritária muito vasta, e foi uma luta
depor os governos autoritários.
Um dos princípios centrais foi a
alternância no poder. Hoje, as
elites chavistas tentam impor
um enfraquecimento do princípio da alternância num contexto em que já não existe uma
competição equitativa nos processos eleitorais.
FOLHA - A sra. imagina Chávez entregando a faixa a um sucessor e em
seguida se aposentando?
LÓPEZ - (Risos). Acredito e espero que sim. Mas, independentemente de quem ganhe [o
referendo], é evidente que a Venezuela está muito polarizada.
A política da polarização já está
esgotada. Nessa situação, será
muito difícil [para Chávez] impor um projeto. A única maneira de sua força política levar seu
projeto adiante é abrindo os
braços, tanto para a oposição de
dentro quanto para a de fora.
Está claro que Chávez não vai
conseguir maioria significativa.
Leia a íntegra da
entrevista
www.folha.com. br/090322
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