São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

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"Chávez reverte os próprios avanços"

Projetos sociais e democracia participativa da Constituição de 99 perdem com centralização, diz historiadora venezuelana

Para Margarita López Maya, a partir de sua reeleição, em 2006, venezuelano levou modelo antes inovador para perto do socialismo real

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

De um movimento que impulsionava a democracia participativa e programas sociais criativos para um projeto autoritário e centralizador em torno do presidente. Em linhas gerais, é assim que a historiadora Margarita López Maya divide os dez anos de Hugo Chávez à frente da Venezuela, comemorados hoje inclusive com um decreto de feriado nacional. Professora da Universidade Central da Venezuela (UCV), López Maya afirma que, após a reeleição de dezembro de 2006, Chávez embarcou seu governo no "socialismo do século 21", no qual, segundo ela, inexistem fronteiras entre Estado, governo e partido e há o enfraquecimento do princípio da alternância, numa fórmula parecida ao estilo soviético. Leia a entrevista à Folha:

 


FOLHA - Após dez anos, o país está melhor ou pior do que quando Chávez assumiu a Presidência?
MARGARITA LÓPEZ MAYA -
Há uma grande diferença entre o primeiro e o segundo governo de Chávez. Quando se faz um balanço dos dez anos, se confunde uma coisa com a outra. Houve avanços importantes para a sociedade venezuelana graças ao primeiro governo do presidente Chávez. Mas, neste segundo, vivemos um retrocesso. Os fatos mais positivos estão no primeiro governo. Não se pode esquecer a Constituição de 1999. Foi uma contribuição importantíssima do movimento bolivariano liderado por Chávez. A Constituição assentou princípios de democracia participativa, da descentralização, ambas lutas dos anos 1980 da sociedade venezuelana. Outro passo adiante foi a criação de fórmulas para enfrentar as políticas sociais de maneira criativa, que superasse os graves problemas de exclusão social dos venezuelanos. No final do século 20, metade das famílias venezuelanas era pobre, e 20% estavam na pobreza extrema. Destaco o programa de alfabetização e o programa de atenção à saúde preventiva nas favelas. Depois, estão as inovações participativas para melhorar os serviços públicos, como as mesas técnicas de água ou os comitês de terra para regularizar terrenos urbanos. Isso tudo começa a se perder no segundo governo. O socialismo é um outro projeto, que desmantela a descentralização e reduz as inovações participativas para se centrar num conceito de conselho comunitário muito parecido com o dos comitês de base dos partidos dos governos socialistas do século 20, em que não há uma diferenciação entre o governo, o partido e o Estado. As outras formas de organização popular estão sendo debilitadas, foram retirados o financiamento e o apoio técnico. Tudo agora vai para o conselho comunitário.

FOLHA - A violência na Venezuela não para de crescer e já é a principal preocupação da população. Como explicar uma deterioração tão rápida num momento em que os índices sociais oficiais melhoram?
LÓPEZ -
Esse aumento da violência não é abrupto, os índices começaram a subir depois do Caracazo, em 1989 [onda de manifestações contra aumento do transporte público que deixou centenas de mortos]. Isso é prova suficiente de que a pobreza não é o único elemento que produz violência. O quadro é muito mais complexo. Hoje, a impunidade e a falta de um Poder Judiciário são avassaladores. Outro fator é a incapacidade total de criar corpos de segurança para um regime democrático. Chávez herdou esse problema e, nesses dez anos, o piorou por causa da polarização [política]. Outro componente é o discurso violento das elites no poder, o discurso da confrontação.

FOLHA - Os próprios chavistas têm dificuldades em definir o "socialismo do século 21". A senhora consegue explicá-lo?
LÓPEZ -
Nós fizemos um seminário na UCV para jogar luzes sobre o que é o socialismo do século 21. Ninguém sabia. Agora, o que me parece claro é que não se trata da consolidação da democracia participativa vendida no primeiro governo do presidente. Para mim, o desenvolvimento dos últimos dois anos se assemelha mais ao socialismo do século 20. E de uma forma personalista ao estilo cubano, de Fidel Castro. Talvez até mais do que Fidel -o presidente da Venezuela tem uma concentração de poderes impressionante. Fidel também era um caudilho, [mas] tinha pessoas que não estavam exatamente subordinadas a ele, como está a camarilha de Chávez. Porque realmente a maioria que rodeia o presidente é medíocre. Essa ideia de que o Estado é o mesmo que o governo, que o governo é o mesmo que o partido, isso é socialismo autoritário. O que há de novo no socialismo do século 21? Talvez o fato de que continuam utilizando o mecanismo do sufrágio universal por meio de uma espécie de democracia plebiscitária para respaldar as ações do governo. Mas o que está surgindo é um Estado autoritário.

FOLHA - O próprio Chávez já disse que, se morrer, não há mais revolução. Trata-se de um líder insubstituível ou ou é ele quem não permite outras lideranças?
LÓPEZ -
São as duas coisas. Sua liderança é excepcionalmente forte dentro de um movimento muito heterogêneo. Isso é desde a campanha de 1998. Não era um partido político, não era um movimento com bases firmes, era um movimento eleitoral que aglutinou gente de todos os caminhos ideológicos, inclusive da direita. A liderança de Chávez era imprescindível porque ele era o mediador. Ao mesmo tempo, a reafirmação dessa liderança asfixia a possibilidade de substituição. Está claro que o presidente está destruindo substitutos dentro do bolivarianismo - ou, melhor dizendo, do chavismo. Se alguém levanta a cabeça, Chávez quer destruí-lo.

FOLHA - Qual é a sua posição sobre o referendo do dia 15 [que põe fim ao limite de dois mandatos]?
LÓPEZ -
Para a Venezuela, a reeleição indefinida tem precedentes nefastos. A Venezuela é um país com cultura autoritária muito vasta, e foi uma luta depor os governos autoritários. Um dos princípios centrais foi a alternância no poder. Hoje, as elites chavistas tentam impor um enfraquecimento do princípio da alternância num contexto em que já não existe uma competição equitativa nos processos eleitorais.

FOLHA - A sra. imagina Chávez entregando a faixa a um sucessor e em seguida se aposentando?
LÓPEZ -
(Risos). Acredito e espero que sim. Mas, independentemente de quem ganhe [o referendo], é evidente que a Venezuela está muito polarizada. A política da polarização já está esgotada. Nessa situação, será muito difícil [para Chávez] impor um projeto. A única maneira de sua força política levar seu projeto adiante é abrindo os braços, tanto para a oposição de dentro quanto para a de fora. Está claro que Chávez não vai conseguir maioria significativa.



Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com. br/090322



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