São Paulo, quarta-feira, 02 de fevereiro de 2011

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ANÁLISE REVOLTA ÁRABE

Ocidente deve iniciar conversas com líderes islâmicos

Gesto poderia evitar que a derrubada de Mubarak leve apenas à substituição de um ditador por outro

EMBORA NÃO TENHA ESTADO À FRENTE DOS PROTESTOS ATÉ AGORA, O ISLÃ É UMA FORÇA AGLUTINADORA INCONTESTÁVEL

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O melhor palpite sobre o pós-Mubarak não veio de analistas ou de figuras do governo, mas de um rabino, chamado David Rosen, presidente da Conferência Mundial de Religiões para a Paz: o Ocidente deveria começar a conversar desde já com líderes religiosos islâmicos se quer que a revolução se mantenha no trilho pacífico.
Rosen acha que não faltam, no mundo muçulmano, dirigentes religiosos responsáveis. Cita pelo menos um nome, o de Ali Goma'a, o grande mufti do Egito (mufti é o acadêmico ao qual se reconhece o direito de interpretar a sharia, a lei islâmica).
Por que faz todo o sentido o palpite de Rosen? Porque é evidente que, embora não tenha estado até agora à frente das manifestações nem no Egito nem na Tunísia, o islã é uma incontestável força aglutinadora, mais sólida do que os dispersos grupos laicos, mesmo quando foi mais reprimida do que estes, como acontece no Egito.
Não procurar, desde logo, os líderes tidos como responsáveis (leia-se: não extremistas) seria jogar todo o movimento islamista nas mãos de extremistas, diz Rosen.
A sugestão do rabino, em entrevista ao sítio "EU Observer", equivale a arquivar a noção, muito disseminada no Ocidente, de que todo mufti não passa de um Osama bin Laden e que todo barbudo que reza voltado para Meca esconde uma bomba nas roupas.
É óbvio que não é assim, mas Roger Cohen ("NY Times"), um dos melhores jornalistas de assuntos internacionais, deu-se ao trabalho de lembrar antecedentes que reforçam a bobagem que é o preconceito:
"Mohamed Atta, líder do ataque de 11 de Setembro [de 2001] veio do Egito de Mubarak. A maioria dos capangas de Atta veio de outra autocracia árabe apoiada pelos EUA, a Arábia Saudita. Não vieram do Irã. Não vieram do Líbano, nem de Gaza".
É claro que o Irã ou a faixa de Gaza não são governados por democratas de ficha impecável. Mas são países igualmente ditatoriais, mas pró-Ocidente, os que têm dado condições para o florescimento de terroristas, ao levar ao desespero, pela falta de perspectivas, fatias importantes de suas populações.
Conversar com líderes religiosos pode ser também uma forma de evitar que a queda de Mubarak leve não à democracia mas à substituição de um ditador por outro.
É bom, a respeito, tomar nota do recado de Steven A. Cook, pesquisador-sênior do Council on Foreign Relations:
"Os oficiais [do Exército] egípcio se beneficiaram materialmente durante o domínio de Mubarak, gozando de tudo, desde o fornecimento de sistemas avançados de armamentos até o enriquecimento pessoal. É possível que eles possam descartar Mubarak para salvar o regime, sob nova liderança, em vez de montar o cenário para uma transição democrática".
Essa hipótese significaria manter acesa a chama do protesto -e, portanto, da instabilidade. Pesquisa do ano passado mostrou que 84% dos jovens egípcios manifestaram-se a favor de um regime democrático.
Não custa também anotar texto de Nouriel Roubini, o profeta do apocalipse: "Três das cinco recessões globais mais recente se seguiram a um choque geopolítico no Oriente Médio, que levou a uma esticada nos preços do petróleo", escreveu para o "Financial Times".


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