São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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Herdeiro de fala mansa prolonga era Putin

Dmitri Medvedev é virtual eleito nas presidenciais de hoje; presidente no poder há oito anos passará a primeiro-ministro

Dúvidas são se novo chefe de Estado lutará para ter autonomia e como lidará com os "siloviki", egressos dos serviços de segurança

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL À RÚSSIA

A era Vladimir Putin no comando da Rússia deveria chegar ao seu fim constitucional hoje, quando cerca de 109 milhões de russos estão aptos a ir às urnas para escolher seu novo presidente sob suspeitas generalizadas de manipulação e fraude. Mas não é isso que irá acontecer, embora o desenlace do drama seja mais imprevisível do que o esperado.
Aos fatos. Putin, 55, irá permanecer no poder, provavelmente como primeiro-ministro do virtual presidente eleito, Dmitri Medvedev (miêdiediév), 42. Sem nunca ter recebido um voto na vida, o jovem advogado de São Petersburgo foi escolhido pelo seu mentor para dar um verniz democrático a um processo sucessório gestado nas entranhas do Kremlin.
Como a estrutura de poder russa foi montada a partir dos escombros institucionais dos caóticos mandatos de Boris Ieltsin na década de 90, ela obedece ao líder supremo, Putin, presidente desde 2000. Governadores deixaram de ser eleitos (são hoje indicados), e eles fazem o papel de Justiça Eleitoral nas mais de 95 mil zonas de votação em 89 regiões russas.
Uma eficiente máquina de propaganda, que tirou espaço privado das televisões abertas por meio de tomadas de controle acionário e intimidações, retirou palanque das dissidências. Alguns poucos jornais dão voz à oposição, e mesmo alguns deles parecem só estar a serviço de empresários que perderam espaços nos negócios.
Isso dito, o sucesso macroeconômico da era Putin, alimentado pelo alto preço do petróleo e do gás sobre os quais o país surfa, criou um clima de otimismo. Ainda como ponto de venda da era Putin, há o difuso sentimento de que a Rússia "voltou a ser alguém" no mundo. Isso é meia verdade, já que a retórica anti-Ocidente e os conflitos recrudesceram, mas o país também luta por aceitação e integração econômica.
Dificilmente alguma fraude detectada hoje irá mudar o resultado do pleito -exceto, talvez, garantir maior comparecimento para que o Kremlin atinja seu objetivo de ter 65% de eleitores votando, a fim de legitimar Medvedev.
Gennadi Ziuganov (Partido Comunista) e Vladimir Jirinovski (Partido Liberal Democrático) dividirão o butim do segundo lugar, sem grandes alterações no esquema de poder quase unipartidário liderado pelo Rússia Unida de Putin.

Poder dual
Ficam então duas perguntas. Irá Medvedev governar ou apenas fazer dupla ao primeiro-ministro Putin? Qual o papel reservado aos poderosos "siloviki" (durões, em russo), ex-membros de serviços de segurança que lotearam o Kremlin a convite de Putin?
Responde o deputado Sergei Markov, chefe do Instituto para Estudos Políticos, consultor de Putin e conhecedor dos subterrâneos palacianos: "Teremos um poder dual na Rússia. Isso não é inédito, e não sei quem disse que o premiê tem que ser fraco. Ievguêni Primakov foi um premiê forte e Ieltsin, um presidente fraco. Não haverá uma transição de poder, e sim uma continuação".
Sobre os "siloviki", ele não vê grandes problemas. "Sergei Ivanov, o vice-premiê que foi preterido como candidato por Putin e é visto como porta-voz deles, continua muito influente. Vai comandar toda a área de defesa", afirma Markov.
Já diplomatas de dois países ocidentais ouvidos discordam, e acreditam que a disputa interna entre os "siloviki" poderá acabar minando o governo Medvedev, obrigando Putin a agir como mediador.
De um modo ou de outro, a escolha de Medvedev aponta para a estratégia já usada em Putin no seu primeiro mandato: é um aceno ao Ocidente, com seus discursos defendendo a democracia e o livre mercado. O belicoso Ivanov daria um recado muito duro.


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