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Herdeiro de fala mansa prolonga era Putin
Dmitri Medvedev é virtual eleito nas presidenciais de hoje; presidente no poder há oito anos passará a primeiro-ministro
Dúvidas são se novo chefe
de Estado lutará para ter
autonomia e como lidará
com os "siloviki", egressos
dos serviços de segurança
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL À RÚSSIA
A era Vladimir Putin no comando da Rússia deveria chegar ao seu fim constitucional
hoje, quando cerca de 109 milhões de russos estão aptos a ir
às urnas para escolher seu novo
presidente sob suspeitas generalizadas de manipulação e
fraude. Mas não é isso que irá
acontecer, embora o desenlace
do drama seja mais imprevisível do que o esperado.
Aos fatos. Putin, 55, irá permanecer no poder, provavelmente como primeiro-ministro do virtual presidente eleito,
Dmitri Medvedev (miêdiediév), 42. Sem nunca ter recebido um voto na vida, o jovem advogado de São Petersburgo foi
escolhido pelo seu mentor para
dar um verniz democrático a
um processo sucessório gestado nas entranhas do Kremlin.
Como a estrutura de poder
russa foi montada a partir dos
escombros institucionais dos
caóticos mandatos de Boris
Ieltsin na década de 90, ela obedece ao líder supremo, Putin,
presidente desde 2000. Governadores deixaram de ser eleitos
(são hoje indicados), e eles fazem o papel de Justiça Eleitoral
nas mais de 95 mil zonas de votação em 89 regiões russas.
Uma eficiente máquina de
propaganda, que tirou espaço
privado das televisões abertas
por meio de tomadas de controle acionário e intimidações,
retirou palanque das dissidências. Alguns poucos jornais dão
voz à oposição, e mesmo alguns
deles parecem só estar a serviço
de empresários que perderam
espaços nos negócios.
Isso dito, o sucesso macroeconômico da era Putin, alimentado pelo alto preço do petróleo
e do gás sobre os quais o país
surfa, criou um clima de otimismo. Ainda como ponto de
venda da era Putin, há o difuso
sentimento de que a Rússia
"voltou a ser alguém" no mundo. Isso é meia verdade, já que a
retórica anti-Ocidente e os
conflitos recrudesceram, mas o
país também luta por aceitação
e integração econômica.
Dificilmente alguma fraude
detectada hoje irá mudar o resultado do pleito -exceto, talvez, garantir maior comparecimento para que o Kremlin atinja seu objetivo de ter 65% de
eleitores votando, a fim de legitimar Medvedev.
Gennadi Ziuganov (Partido
Comunista) e Vladimir Jirinovski (Partido Liberal Democrático) dividirão o butim do
segundo lugar, sem grandes alterações no esquema de poder
quase unipartidário liderado
pelo Rússia Unida de Putin.
Poder dual
Ficam então duas perguntas.
Irá Medvedev governar ou apenas fazer dupla ao primeiro-ministro Putin? Qual o papel
reservado aos poderosos "siloviki" (durões, em russo), ex-membros de serviços de segurança que lotearam o Kremlin a
convite de Putin?
Responde o deputado Sergei
Markov, chefe do Instituto para Estudos Políticos, consultor
de Putin e conhecedor dos subterrâneos palacianos: "Teremos um poder dual na Rússia.
Isso não é inédito, e não sei
quem disse que o premiê tem
que ser fraco. Ievguêni Primakov foi um premiê forte e Ieltsin, um presidente fraco. Não
haverá uma transição de poder,
e sim uma continuação".
Sobre os "siloviki", ele não vê
grandes problemas. "Sergei
Ivanov, o vice-premiê que foi
preterido como candidato por
Putin e é visto como porta-voz
deles, continua muito influente. Vai comandar toda a área de
defesa", afirma Markov.
Já diplomatas de dois países
ocidentais ouvidos discordam,
e acreditam que a disputa interna entre os "siloviki" poderá
acabar minando o governo
Medvedev, obrigando Putin a
agir como mediador.
De um modo ou de outro, a
escolha de Medvedev aponta
para a estratégia já usada em
Putin no seu primeiro mandato: é um aceno ao Ocidente,
com seus discursos defendendo a democracia e o livre mercado. O belicoso Ivanov daria
um recado muito duro.
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