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ELEIÇÃO NOS EUA / DE AZARÃO A ALVO
Biografia peculiar traz armadilhas para campanha de Obama
Senador luta para separar fatos de ficção na história de sua vida, que tem passagens desconhecidas do grande público
Favorito, democrata vira alvo de desinformação; a mais persistente é a de que
é muçulmano, religião de seu avô paterno do Quênia
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Na noite da Superterça, no
dia 5 de fevereiro último, estava
claro ao comando da campanha
de Barack Obama que o senador havia provado ao seu Partido Democrata que tinha uma
qualidade que todos achavam
que lhe faltava: elegibilidade.
Afinal, ganhara da rival Hillary
Clinton em 13 dos 23 Estados
que realizaram primárias partidárias para escolher os candidatos à eleição presidencial de
novembro.
Estava cumprida a última
etapa do chamado "Plano Estratégico", ou simplesmente "O
Plano". Este norteia a vida política de Obama desde que ele assumiu seu posto no Senado, em
2005, conforme conta o jornalista David Mendell na biografia "From Promise to Power"
(da promessa ao poder).
Criado pelo chamado Grupo
de Chicago, formado por nomes conhecidos nos bastidores
políticos, como David Axelrod e
Robert Gibbs, O Plano é seguido à risca pelo senador de 46
anos. Previa, por exemplo, que
ele passasse seu primeiro ano
em Washington "abaixo da linha do radar", evitando se envolver em legislação polêmica.
"Então, no ano seguinte, ele
faria um grande evento midiático, que acabou sendo sua viagem ao Quênia, que seria seguido pelo lançamento da segunda
parte de sua biografia, "A Audácia da Esperança", que seria seguido de um tour e culminaria
no lançamento da candidatura
à Presidência", disse Mendell à
Folha, por telefone.
De estrategista a alvo
O objetivo do político era
chegar às primárias com o nome forte o suficiente para fazer
campanha para o escolhido de
seu partido e até pleitear o cargo de vice-presidente. Mas a
corrida dera mais certo do que
o previsto, e Obama poderia ser
o candidato. Agora, O Plano
precisava de uma revisão.
"O senador precisa de tempo", disse David Axelrod a jornalistas que estavam em Chicago na Superterça. "Tempo para
ser conhecido no resto do país."
É o que Barack Obama vem fazendo desde então. No dia 6 de
fevereiro, ele perdia de Hillary
nas pesquisas de intenção de
voto no Texas e em Ohio por
cerca de 20 pontos percentuais.
Hoje, a dois dias das primárias
naqueles Estados, está em empate técnico no primeiro e encostado no segundo.
Mas há efeitos negativos.
"Com isso, ele passou de excentricidade a alvo", disse Mendell.
E a arma de preferência de ataque tem sido a desinformação.
Na semana passada, o site conservador Drudge Report publicou uma foto em que Obama
aparece de roupas e turbante
tradicionais somalis, que ganhou durante a tal viagem de
2006 ao Quênia.
No dia seguinte, durante comício do republicano John
McCain, um radialista o chamou várias vezes de Barack
Hussein Obama, seu nome de
batismo, o mesmo de seu pai. A
MSNBC o identificou recentemente usando foto do terrorista saudita Osama bin Laden
-foi engano, e o funcionário foi
advertido, disse a emissora. Na
blogosfera conservadora, dá-se
como certo que o candidato é
de uma "célula muçulmana
adormecida". E ainda faltam
nove meses para as eleições
Biografia ajuda
O fato é que sua biografia peculiar ajuda. Nascido no Havaí,
é filho único de um estudante
negro do Quênia que, em Honolulu, se apaixonou e casou-se
com uma branca nascida no
Kansas, ainda hoje um dos Estados menos miscigenados do
país, com 91% de brancos.
Seu nome, Barack, é uma derivação em suaíli para "abençoado" em árabe. Hussein, o segundo nome, é o do segundo
neto de Maomé, mártir do ramo xiita do islã. O senador define os pais ora como ateus, ora
agnósticos. "Num curso de russo, Barack Hussein Obama [o
pai] conheceu uma garota americana estranha e tímida, de
apenas 18 anos, e eles se apaixonaram", escreve na autobiografia "Dreams From My Father"
(sonhos vindos de meu pai).
Ela era Stanley Ann Dunham, que tinha o primeiro nome masculino por obra do pai,
que queria um filho homem.
"Era uma progressista ao extremo, e ele herdou em grande
parte a maneira dela de pensar", disse ao biógrafo Mendell
a avó materna de Obama, Madelyn Dunham, hoje com 84
anos. Depois de se divorciar
duas vezes, Ann viajaria pelo
mundo "estudando outras culturas", segundo a mãe, e restaria à avô a educação de Obama.
Já Barack Hussein Obama
pai ganhou o nome do avô paterno do candidato, um médico
cristão que se converteu tardiamente ao islamismo e teve três
mulheres (é a terceira delas, Sarah, que Obama chama de avó,
embora não seja a mãe de seu
pai). O casamento de Ann e
Obama pai acabou quando o
menino tinha dois anos.
No ano seguinte, ela se casou
com o indonésio Lolo Soetoro,
que levou a família para Jacarta. Ali, de 1966 a 1970, o futuro
senador freqüentaria uma escola pública laica que ensinava
também os preceitos do islã. A
passagem viraria o rumor mais
persistente da biografia de
Obama, a de que ele foi alfabetizado numa "madrassa" (escola
religiosa muçulmana).
Sobre o padrasto, o afilhado
diz que era um muçulmano
não-praticante que o introduziu "à carne de cachorro (dura),
cobra (mais dura ainda) e grilo
assado (crocante)". "Como
muitos indonésios, Lolo seguia
uma facção do islã que dava lugar a fés animistas antigas e ao
hinduísmo", escreveu. "Ele me
explicou que o homem tira poder do que come: um dia, me
prometeu, comeríamos carne
de tigre."
Relação com Jesus
Sobre sua própria fé, Barack
Obama já afirmou ter "uma relação pessoal com Jesus". Na
segunda autobiografia, o senador descreve o dia em que foi
batizado por Jeremiah Wright,
da Igreja Unida da Trindade de
Cristo, protestante, que virou
afrocentrista e, para alguns críticos, radical demais depois que
o polêmico reverendo assumiu
o comando, em 1972.
"Foi por conta desses novos
entendimentos -de que o compromisso religioso não requeria de mim a suspensão do pensamento crítico nem o afastamento da luta pela justiça econômica e social- que me senti
apto a finalmente atravessar o
corredor da igreja um dia e me
batizar", escreveu em "A Audácia da Esperança", título de um
dos sermões do pastor.
As desinformações tendem a
piorar, segundo o biógrafo de
Obama. "Até agora, ele se beneficiou mais ou menos da regra
não escrita de que, entre democratas, nunca se ataca o pré-candidato negro, sob pena de
perder votos", disse Mendell.
De fato, ao fazer isso em janeiro, o ex-presidente Bill Clinton
pode ter tirado a vitória na Carolina do Sul de sua mulher. "O
mesmo não valerá para os republicanos, que já não contam
mesmo com esses votos."
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