São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

Economista seduz platéias americanas com relato de conluio entre Casa Branca e grandes empresas

"Assassino econômico" é best-seller nos EUA


A popularidade do livro parece ser movida pelo misto de ambiente de sigilo e pela conversão de Perkins, de instrumento dos interesses corporativos em defensor dos pobres

LANDON THOMAS JR.
DO "NEW YORK TIMES", EM CHICAGO

Na Transitions, uma livraria new age de Chicago onde só há espaço para ficar em pé, John M. Perkins, autor de "Confissões de um assassino econômico", está descrevendo para sua platéia o dilema enfrentado pelo presidente recém-eleito da Bolívia, Evo Morales.
Chegando bem perto do microfone, Perkins fala num sussurro conspiratório profundo, recriando a cena do encontro imaginário entre o novo presidente e o representante dos interesses de grandes multinacionais que Morales retratou como vilões durante sua campanha.
"Parabéns, senhor presidente", diz Perkins, assumindo o papel do empresário, ou assassino econômico, como gosta de chamar sua profissão anterior. "Quero apenas que o senhor saiba que tenho nesta mão algumas centenas de milhões de dólares para o senhor e sua família, se o senhor jogar a nosso favor." Com o timing ensaiado de um experiente contador de histórias, ele faz uma pausa. "E nesta outra mão tenho uma arma carregada com uma bala, para o caso de o senhor decidir cumprir as promessas que fez em sua campanha."
A multidão fascinada murmura e faz comentários em voz baixa, como se tivesse ouvido uma confidência indizível. Perkins faz uma ressalva, dizendo que está falando metaforicamente. Mas, para um público já embriagado com as histórias de trapaças e conluios ouvidas do próprio Perkins, sua alegoria, por mais exagerada que possa ser, carrega não apenas a marca da verdade mas também pistas para um longo histórico de finais que ficaram sem explicação.
"E aqueles desastres aéreos de J.F.K. Jr. e Paul Wellstone?" pergunta uma mulher da platéia. "Foram mais do que suspeitos."
Sim, diz Perkins com um aceno da cabeça, e em seguida desfia um rosário de outras mortes em desastres aéreos: o general Omar Torrijos, ex-presidente do Panamá, em 1981; também em 1981, o presidente do Equador, Jaime Roldos Aguilera, e até mesmo o senador texano John G. Tower, que morreu com 22 outras pessoas num vôo comercial em 1991. "Já tivemos muitos acidentes de avião", diz Perkins em tom de mau agouro.
A mensagem básica de Perkins é que as grandes empresas e as agências governamentais americanas empregam dois tipos de agentes: os "assassinos econômicos", que subornam representantes de economias emergentes, e os "chacais", que podem ser empregados para derrubar ou até mesmo assassinar chefes de Estado da América Latina ou do Oriente Médio, para servir à causa maior do império americano.
Numa época anterior, essa mensagem poderia ter não passado de alimento para as idéias de teóricos da conspiração e editores marginais. Agora, porém, apesar de toda a conversa de Perkins sobre quedas de aviões e intrigas corporativas, seu livro parece estar alimentando um veio maior de insatisfação e desconfiança sentido pelos americanos em relação aos vínculos que unem grandes empresas, grandes instituições de crédito e o governo -um nexo ao qual Perkins e outros dão o nome de "a corporatocracia".
A idéia de que interesses corporativos têm ou tiveram influência indevida sobre administrações da Casa Branca é há muito tempo um dos pratos fortes da política antiestablishment. Durante a administração Bush, porém, alguns fatos recentes trouxeram essa idéia para ainda mais perto do pensamento da maioria. Soldados e empresas dos EUA estão entrincheirados com firmeza no Iraque, e agora o governo federal pretende dar US$ 7 bilhões em concessões de royalties para um setor petrolífero que já vem apresentando lucro recorde. De acordo com uma pesquisa Gallup recente, 70% dos entrevistados disseram acreditar que as grandes empresas exercem influência excessiva sobre as decisões tomadas pela administração Bush.
Em Houston, o drama sórdido da Enron, a empresa de energia que tinha conexões com setores políticos e que entrou em queda, continua a ser representado diante de uma platéia atenta.
Para Perkins e um pequeno grupo de escritores de tendências semelhantes às dele, tudo isso vem se mostrando território fértil para o exercício de sua criatividade. Desde que a Penguin publicou "Confissões" ("Confessions of an Economic Hit Man", no original), em janeiro deste ano, o livro está na lista dos mais vendidos do "New York Times", tendo chegado ao quinto lugar na lista dos livros mais vendidos de não-ficção. Hollywood também já manifestou interesse por ele: a Beacon Pictures comprou os direitos de criar um filme a partir do livro, com a possibilidade de que seja estrelado por Harrison Ford.
Enquanto a questão mais ampla do papel dos EUA nas economias emergentes é discutida por muitas pessoas, a popularidade do livro parece ser movida mais pelo misto de ambiente de sigilo e aventuras misteriosas e pela conversão de Perkins, de instrumento dos interesses corporativos em defensor dos pobres do mundo.
"Meu pecado foi explorar pessoas em todo o mundo", disse Perkins, falando de seu emprego de consultor, no qual, afirmou, pressionou países como o Panamá, Equador e Irã a aceitarem empréstimos onerosos que eles teriam dificuldade em repagar. "Eu me sinto péssimo sobre as coisas que fiz quando era assassino econômico."
Com seu sorriso inocente e sua mensagem de renovação pessoal, Perkins, 61, passa uma imagem que remete mais a um enrugado professor de ioga do que a um matador de aluguel. Vestindo jeans e moletom velho, ele costuma exortar sua platéia a fechar os olhos, respirar fundo e visualizar o mundo como um grande polvo que pulveriza sobre o planeta inteiro uma tinta salubre feita de recursos naturais e compaixão.

Sexo e conspiração
Seu grande trunfo foi o de acrescentar a uma idéia corriqueira e pouco emocionante -a de que empresas americanas e instituições multinacionais agiram com pouca discriminação nos empréstimos que concederam a países de Terceiro Mundo- doses de sexo, confissões e catastróficos desastres aéreos. De acordo com seu relato dramático, ele foi interrogado pela Agência Nacional de Segurança, entrou para o Corpo de Paz no Equador e tornou-se previsor da empresa de consultoria Chas. T. Main, com sede em Boston.
Numa cena logo no início do livro, que dá o tom para o restante da obra, ele descreve como foi seduzido por uma mulher misteriosa, de aparência semelhante à da atriz Catherine Zeta-Jones, que se apresentou como Claudine Martin e que supostamente trabalhava para a Main. Em uma entrevista, fala o autor, ela lhe ofereceu cocaína, vinho tinto e, para finalizar, ela própria. "Somos um clube pequeno e exclusivo", afirma Claudine no livro. "Seu trabalho é encorajar líderes mundiais a se transformarem em parte de uma rede imensa que promove os interesses comerciais dos Estados Unidos. No final, esses líderes vão se enredar numa teia de endividamento que vai assegurar a sua lealdade a nós."

Tradução de Clara Allain


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